O fim dos contratos de 14.300 MW gerados por termelétricas fósseis é anunciado quase silenciosamente sem qualquer ruído pela EPE no “apagar das luzes”. Existirá uma razão para isso além de “poupar” o governo ou destruí-lo? Prorrogar contratos atuais, por exemplo?
Ivo Pugnaloni* www.enercons.com.br
Apesar do sensacionalismo envolvendo uma tal “sobra de energia no Brasil” a verdade é que segundo a Empresa de Pesquisa Energética, já em julho de 2025 os contratos das termelétricas firmados nas duas décadas passadas começam a vencer. E vai faltar energia na prateleira. Isso está provado pela própria EPE agora. E vai ser uma falta equivalente ao desligamento de uma Itaipu: 14.300 MW!
O resultado é que começarão a ser violados os critérios de risco ao fornecimento de energia e de potência, nome complicado que pode ser traduzido, por apagão à vista, a não ser que chovam mais do que o previsto.
Algo exatamente igual ao que vimos acontecer em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso e seu ministro Rodolpho Tourinho Neto fizeram ouvidos moucos para o que vários especialistas lhes avisaram com insistência. Nomes como Luiz Pinguelli Rosa, Ildo Sauer e Roberto D’Araújo e mesmo eu, como diretores do Instituto Ilumina de Estudos Estratégicos do Setor Elétrico lhes dissemos isso várias vezes, por escrito e pessoalmente.
Nada, no entanto, os demoveu de não retomar os investimentos na mais barata, 100% nacional e ambientalmente mais limpa fonte de geração que é a hidrelétrica.
Como entusiastas da “termificação” fãs da dependência e profetas da globalização, FHC e seu ministro não só vetaram a construção de novas hidrelétricas mas, sendo a favor de termelétricas fósseis conseguiram a façanha de não conseguir construir nem mesmo essas usinas térmicas que produzem energia 10 vezes mais cara.
E jogaram o Brasil no maior apagão já ocorrido no mundo em tempo de paz, que derrubou o PIB de 4,5% em 2000 para 1,5% em 2001.
Isso foi só o começo do conhecido processo de criar dificuldades para a sociedade afim de propor soluções milagrosas ou prejudiciais. Sempre muito mais caras. Por exemplo, não fazer uma rede de distribuição de agua num bairro pobre e colocar um irmão ou primo para abrir uma distribuidora de agua mineral na praça.
Afinal por que alguém, em sã consciência, podendo decidir, iria sequer pensar em usar água nacional para gerar energia elétrica se pudesse usar combustíveis importados, não é?
Assim, apenas 12 meses antes da falta de energia que está anunciando quase entre os dentes, a EPE sai do seu silêncio sepulcral e nos diz que “vai faltar energia em 2025”, como mostram as figuras abaixo do relatório da própria EPE indicando “início de violação dos critérios de risco máximo, elaborados para o Programa de Desenvolvimento de Energia Elétrica 2034, publicado no começo de julho.
Crônica de um apagão anunciado. Novamente?
A EPE faz isso, note-se, depois de silenciar culposamente, durante mais de três anos sem desmentir o sensacionalismo ufanista de políticos e muitos articulistas que bravatearam que “há energia sobrando”. É muito estranho ver nossa empresa de pesquisa avisar, num relatório dirigido apenas para os 17 ministros membros do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que, ao contrário do que deixou livremente correr solto, com esse festival de ufanismo, vai faltar energia.
Coincidentemente, o CNPE é um órgão que foi criado em 1997 para assessorar o então presidente FHC na formulação de políticas e diretrizes do setor. Suas atribuições incluem gerir os diferentes recursos energéticos do país.
Ou seja, o CNPE teria poder para impedir a “termificação” forçada que levou o país com a 3ª maior capacidade hidrelétrica remanescente do mudo a aumentar em 700% sua capacidade instalada de termelétricas em menos de 30 anos.
Para esse conselho são nomeados 17 ministros, o presidente da EPE e apenas um representante da sociedade civil e outro da academia. Isso é bem diferente do que acontece com os Conselhos Nacionais da Saúde, da Educação, do Meio Ambiente, que são formados por congressos realizados nos municípios e estados, que elegem seus membros. Na energia não. Todos são nomeados pelo presidente da república. Não deixa de ter explicação o fato de ouvir-se falar tão pouco do CNPE e de suas decisões.
Energia é algo muito complexo? Desculpem, mas mesmo um jornalista leigo em energia ou qualquer cidadão interessado poderá compreender os gráficos que a nossa Empresa de Pesquisa Energética publicou nesse relatório nas páginas 19 em diante, mostrando que os contratos vencerão daqui a alguns meses.
Só faltou alguém nos dizer que “rápido, muito rápido, minha gente, se vocês quiserem participar dos leilões, tem que preparar projetos de hidrelétricas e licenciá-los, senão vamos ser obrigados a deixar esses contratos de 14% da demanda nacional nas mãos do mesmo pessoal das termoelétricas que ganharam bilhões!”
Afinal, enquanto licenciar uma pequena hidrelétrica já levou mais de 10 anos no Brasil, já as exigências para as termoelétricas levam apenas 90 dias para serem cumpridas.
O resultado é que vai faltar energia como foi tudo preparado e vamos ter que comprar e consumir energia “adicional” por não termos anunciado previamente que haveria falta! É o Brasil de João Bosco, gentil, poderoso, com seu povo completamente iludido por tenebrosas transações.
Veja acima como, na página de “Considerações finais”, em linguagem quase cifrada para impedir leigos de entender o que acontece, a EPE já prepara o cenário para contratar termelétricas por R$ 2.700,00/MWh em vez de hidrelétricas por R$ 270,00/MWh, devido apenas à sua própria falha em não avisar a sociedade e o MME da necessidade urgente de adquirir fontes de energia que funcionem normalmente à noite.
Será que alguém lá em cima vai avisar ao presidente da república sobre mais esse “presente” que foi preparado para coroar seu mandato, na véspera da eleição?
*Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni é engenheiro eletricista pela UFPR. Foi diretor de planejamento da COPEL e diretor presidente da COPEL DISTRIBUIÇÃO, diretor do Instituto Estratégico do Setor Elétrico (ILUMINA), fundador e primeiro presidente da ABRAPCH, associação brasileira de pequenas hidrelétricas, secretário adjunto de transportes de Curitiba, membro do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia do Paraná. professor do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná e membro do Grupo de Diretrizes do Setor Elétrico do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje Ivo é o presidente da ENERCONS Projetos e Consultoria em Energias Renováveis e da ENERBIOS Consultoria em Energias Renováveis e Meio Ambiente www.enercons.com.br