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Brasil e Paraguai iniciam negociações sobre Itaipu: país vizinho quer tarifa 24% mais cara

Na fronteira entre Brasil e Paraguai, era iniciada, em 1975, a implantação do que seria a maior barragem de água do mundo, título que foi ostentado até 2003 pela usina de Itaipu. Após as obras serem encerradas, em 1982, cada país passou a deter 50% da energia elétrica gerada, podendo vender ao outro o excedente caso não utilizasse tudo.

Após 50 anos, 2023 marca o fim do pagamento da dívida pela construção da usina, e, com isso, uma nova etapa da parceria entre brasileiros e paraguaios: a renegociação das bases financeiras do tratado de Itaipu. As conversas vão envolver inclusive os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e o recém-eleito Santiago Peña, que participam nesta quinta-feira (26) da reunião do Conselho de Administração de Itaipu que abre as discussões.

A dívida com empréstimos e encargos financeiros chegou a US$ 63,5 bilhões (R$ 316,6 bilhões), valor usado para viabilizar a infraestrutura necessária para a operação das usinas, desapropriar terras e pagar as empreiteiras. O montante foi pago ao longo dos últimos 50 anos, e a última parcela, quitada em fevereiro.

Conforme o diretor-geral brasileiro da usina, Enio Verri, já existe o pedido do país vizinho para um aumento de 24% só na tarifa de serviços — atualmente o valor cobrado é de US$ 16,71 (R$ 83,33) por quilowatt (kW), e, caso o reajuste seja aprovado, passaria para US$ 20,75 (R$ 103,48) a partir de 2024, o mesmo valor que era cobrado até abril deste ano. A declaração foi dada na última semana, durante participação do dirigente em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado.

A tarifa de serviços de Itaipu é um encargo pago para cobrir os custos da empresa com administração, operação e manutenção da usina, além dos repasses em royalties e participações governamentais pelo uso da água. Antes o indicador também contava com a dívida de construção, que foi finalizada neste ano. Mesmo assim, o país vizinho quer um aumento.

Com realidades bem diferentes, cerca de 9% da energia elétrica consumida no Brasil é gerada por Itaipu, enquanto o Paraguai tem um índice de quase 90%. E por não usar toda a sua cota, Assunção vende pelo menos metade desse percentual ao Brasil. Essa é uma das diretrizes previstas no Anexo C, documento que estabelece as bases financeiras que começaram a ser negociadas.

Mas afinal, um eventual aumento pode impactar nas contas de energia? Para o professor adjunto de finanças e controle gerencial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Leite, como o sistema nacional elétrico é interligado, esse percentual poderia aumentar em até 2% as contas de luz, a depender da região. “Apesar disso, na inflação geral do país não geraria um impacto tão grande”, pontua em entrevista à Sputnik Brasil.

Já o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (CERI) da Fundação Getulio Vargas (FGV) Diogo Lisbona lembrou à Sputnik que a energia de Itaipu é comercializada com base no dólar.

“Com isso, você também tem o impacto do câmbio no cálculo das tarifas cobradas pelas distribuidoras”, frisa. A troca por uma moeda local, como o real ou o guarani, deveria ser levado para a mesa de negociações, segundo o especialista, o que ajudaria a reduzir flutuações da cotação americana.

Além das regras de comercialização da energia produzida, o Anexo C, que está em discussão, determina as condições de fornecimento de energia, o custo de eletricidade, a receita da usina e a prestação de serviços. Segundo Lisbona, o processo é complexo e lento, já que ao fim das negociações os termos ainda precisam ser aprovados pelos parlamentares do Brasil e do Paraguai.

Especialista diz que há espaço para redução

Para Lisbona, o pagamento da última parcela da amortização da dívida pela construção de Itaipu pode trazer margem para flexibilizar as negociações, consideradas por ele um cabo de guerra.

O caminho para a revisão financeira da empresa binacional é longo, pontua o pesquisador. Essa também é a visão do economista, PhD em planejamento energético e professor da FGV Vanderlei Martins, que acrescenta que “as negociações sobre as regras de venda de energia tornam-se complexas e envolvem questões políticas, econômicas e técnicas”. Conforme Martins, de um lado tem o Brasil, que quer garantir “um suprimento estável e a preço justo”, enquanto o Paraguai “busca maximizar os benefícios econômicos” provenientes da usina.

Martins pontua que a usina hidrelétrica de Itaipu é uma das maiores produtoras de energia do mundo, com 20 unidades geradoras e potência instalada de 14 mil megawatts. Por conta disso, cumpre um papel vital para garantir a segurança energética brasileira e fortalece a importância econômica dos dois países dentro do Mercosul.

“Por meio do reservatório de acumulação, empreendimentos como Itaipu conseguem trazer uma estratégia de despacho e operação da energia de forma mais equilibrada ao Sistema Interligado Nacional [SIN]”, conclui.

Menor dependência brasileira nas últimas décadas

Durante uma das maiores crises energéticas que o Brasil já viveu, com blecautes constantes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a dependência do país da energia elétrica gerada em Itaipu ultrapassava 30% em 1999. Na época, a usina chegou a trabalhar com sobrecarga. Passadas mais de duas décadas, a situação é outra: com a diversificação da matriz energética, que agora conta com usinas eólicas, solares e a gás, além de novas hidrelétricas, o índice passou para 8,6%.

O país é a cada ano menos dependente de Itaipu“, enfatiza à Sputnik Brasil o diretor de energia elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Victor iOcca. Diante disso, o especialista argumentou que o poder de barganha do Brasil nas novas negociações é maior, o que deveria ser levado para a mesa.

“A proposta de aumento de 24% é assustadora. Depois que finalizamos a amortização de todo esse financiamento [da construção da usina], o custo da produção de energia deveria cair muito, talvez próximo da metade do que é hoje. Isso teria reflexo positivo em toda a economia brasileira.”

Mas essa realidade, segundo o diretor da Abrace, não deve se concretizar justamente por conta dos usos políticos tanto brasileiros quanto paraguaios com a usina. Um exemplo dado por iOcca é com os investimentos da empresa concentrados nos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul — só em agosto Itaipu anunciou quase R$ 1 bilhão para financiar projetos sociais, ambientais e de infraestrutura em 434 municípios da região.

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