Com a chegada do inverno na Argentina e a crise hídrica no Uruguai, empresas veem a oportunidade de evitar desperdício de água e aumentar receitas.
As chuvas do começo do ano impulsionaram a exportação de energia excedente das hidrelétricas brasileiras para a Argentina e para o Uruguai. Além de contribuir para a segurança energética dos países vizinhos, o Brasil conseguiu trazer divisas que ajudam na modicidade tarifária.
Agora as principais empresas geradoras querem que o país mantenha, pelo resto do ano, a exportação de energia. A avaliação é que as águas do verão no Brasil podem salvar o inverno argentino e resolver a crise hídrica uruguaia sem comprometer a segurança energética nacional, já que o cenário interno é de baixa demanda, sobreoferta de energia e a falta de reservatórios para armazenamento.
Nos últimos meses, o Brasil bateu recorde de água jogada fora em diversas hidrelétricas que praticaram o vertimento turbinável, uma forma técnica de dizer que a usina está liberando água sem gerar energia. O desperdício aconteceu em Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, Itaipu, Tucuruí, Furnas, São Simão, entre outras. Até maio, o vertimento médio foi de 13,5 megawatt-médios (MWm), que em equivalências energéticas é maior do que o consumo do Nordeste.
O CEO da Copel, Daniel Slaviero, considera inadmissível o desperdício de recursos naturais. Segundo o executivo, a perspectiva de reservatórios cheios continua pelos próximos 18 a 24 meses e a exportação ao longo do ano refletiria em melhora do risco hidrológico e em receita. “Em última instância, isso diminui tarifa, reduz o custo do sistema para o consumidor brasileiro e reforça o papel do Brasil de liderança regional.”
As projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é que os reservatórios vão encerrar maio acima de 80%, o maior volume desde o início da série histórica iniciada em 2000. Com tanta água, o país pode viver novamente o contexto de desperdício. Para o CEO da Engie, Eduardo Sattamini, o envio de energia aos países que fazem fronteira seria a solução para reduzir o excesso de oferta que está pressionando os preços para baixo.
“Se continuarmos reservando água, no ano que vem vamos ter vertimento em grandes volumes (…). A possibilidade de envio de energia para os vizinhos também libera o gás da Argentina para ser exportado para o Chile, que está sofrendo com a redução das cargas de GNL”, diz o executivo.
Além de Copel e Engie, a Eletrobras, a Cemig, a Itaipu e a AES Brasil também disseram ser favoráveis a mais integração energética no Cone Sul. Juntas, as empresas respondem por mais de 37% de toda capacidade de geração de energia do Brasil – considerando apenas o potencial hidrelétrico. Algumas já tentaram maior interlocução com o Ministério de Minas e Energia (MME), mas reclamam da falta de interação da pasta com o mercado.
O presidente da consultoria PSR, Luíz Barroso, lembra que a situação de suprimento da Argentina está defasada com térmicas indisponíveis ou paradas para manutenção. O gigantesco empreendimento Vaca Muerta, na Patagônia, pode mudar isso e poderá até exportar ao Brasil, Chile e Bolívia, que tem produção decrescente.
Até lá, Barroso vê a possibilidade de o Brasil criar uma demanda firme em contratos de suprimento, que seria um mercado adicional aos intercâmbios ocasionais.
O problema é que as interconexões conversoras de Melo (que leva energia para o Uruguai) e de Garabi I e II (que levam energia para Argentina) são limitadas e podem enviar apenas 2,7 GW e as atuais diretrizes para exportação de energia permitem que termelétricas, que não estão sendo utilizadas, enviem energia durante o ano todo.
Como não terá despacho térmico em 2023, o caminho mais rentável para as companhias que atuam neste segmento é exportar, desde que abram mão da receita fixa dos contratos. O diretor financeiro e de relações com investidores da Eneva, Marcelo Habibe, diz que enviou energia para os argentinos nos últimos meses e deve aproveitar para exportar em breve.
“Apesar de os reservatórios estarem cheios, eles pararam de verter, então essa demanda de 2GW da Argentina deve ser ocupada pelas térmicas brasileiras (…). A Petrobras exporta uns 500 MW. A [usina de] carvão é algo próximo de 500 MW. Então sobra pouco mais de 1 GW para a gente”, prevê Habibe.
Para as geradoras hidrelétricas, neste processo competitivo, o Brasil deveria considerar os atributos ambientais e econômicos. Já Barroso diz que o direito à exportação deveria ser aberto a todas as fontes.
A Eletrobras talvez seja uma das mais interessadas. A empresa tem 35 hidrelétricas que somam 40,6 GW de capacidade instalada. O presidente da empresa, Wilson Ferreira Jr., vê como uma maneira de remunerar esses empreendimentos, além de gerar arrecadação para Estados e municípios no Brasil.
“O fortalecimento da integração energética com os países vizinhos por meio de aprimoramentos nos mecanismos de exportação, que permitam sua ampliação e previsibilidade, ampliará os benefícios, sendo importante forma de otimização dos recursos energéticos brasileiros”, frisa.
Procurado, o ONS evitou se posicionar sobre a manutenção da exportação de energia aos países vizinhos. O órgão disse, no entanto, que os recursos hídricos armazenados devem ser, prioritariamente, preservados tanto para o atendimento dos usos múltiplos da água, como para a garantia de geração de energia no futuro. “A continuidade de transações de exportação de energia depende da dinâmica de mercado e não pode afetar o consumo nacional”.
O MME disse que é prioridade do governo Lula fortalecer as parcerias com países vizinhos e que trabalha em ações para aumentar a integração energética entre os países. A pasta disse ainda que, junto com as demais instituições setoriais, avalia o estabelecimento de diretrizes para exportação de energia elétrica a partir de fontes renováveis não-hidrelétricas.