Ivo Pugnaloni*
A Agência Nacional de Energia Elétrica retomou nesta terça-feira dia 28 de fevereiro, o julgamento de recursos administrativos relacionados aos atrasos de usinas termelétricas contratadas emergencialmente no auge da crise hídrica de 2021 —. Boa parte dos projetos atrasaram e alguns têm custo de geração elevado, exatamente por serem emergenciais.
Além de investigar a origem dos atrasos na construção de termoelétricas, a ANEEL deveria aproveitar para atender três Acórdãos do Tribunal de Contas da União de números TCU nº 2.164/2008, TCU 1.196/2010 e TCU 1.171/2014 que determinaram à agência, à EPE e ao MME estudar e explicar os graves e importantes atrasos no planejamento, projeto, licenciamento ambiental e construção de novas usinas hidrelétricas movidas com água corrente.
Afinal, esses atrasos estão obrigando os consumidores brasileiros a consumir a caríssima energia termoelétrica fóssil, o que os faz pagar a tarifa de energia mais cara do mundo.
Para ir ao centro das causas da escassez de energia hidrelétrica em nossa matriz, a ANEEL deveria investigar as razões pelas quais, para essa fonte, são altíssimos os juros do BNDES. Quais os motivos? Seria alta a inadimplência dos contratos e, portanto, os riscos desse tipo de operação? Há algum interesse em desmotivar os investidores? Por quais razões de interesse público e nacional?
Importante seria a agencia nacional investigar as razoes pelas quais a Empresa de Pesquisa Energética, mais uma vez, como já aconteceu em 2014, tem calculado preços-teto tão baixos para os leilões desta fonte, que isto tem afugentado a participação de investidores nesta fonte, favorecendo investidores na fonte térmica fóssil, com preços até oito vezes mais caros.
Afinal, discriminando e prejudicando abertamente esse setor, ambas as agencias públicas, EPE e BNDES, tem atuado como se estivessem trabalhando para extinguir esse setor no Brasil.
Seria talvez por estarem alinhadas ambas e a favor da privatização completa da ELETROBRÁS, que possui 51 hidrelétricas amortizadas e altamente lucrativas?
Seria por quererem impedir a liberdade de investimentos privados e estatais e querendo apresentar à sociedade as hidrelétricas como sendo uma relíquia de tecnologia “antiga e inviável”, mesmo tendo em 2022 produzido mais de 70% de toda a energia consumida no Brasil?
Igualmente, a ANEEL precisa investigar de forma transparente para a sociedade a razão pela qual, a Empresa de Pesquisa Energética, nunca considerou nos cálculos dos preços teto qualquer das extremamente favoráveis externalidades ambientais, energéticas, sociais e econômicas que as hidroelétricas apresentam para o desenvolvimento regional e nacional.
Como a EPE consegue, como empresa de pesquisa energética, desconsiderar todos esses fatores externos ao setor, como se estas usinas fossem apenas fábricas de quilowatt-hora a não verdadeiras fabricas de desenvolvimento social, ambiental e econômico, ao fixar esses preços inviáveis para a energia produzida por elas? Haveria um conflito de interesse? Existiria falta de isenção da empresa pública ao exercer seu dever legal de pesquisa para o Ministério de Minas e Energia? Haveria proteção e reserva de mercado para favorecer às usinas termelétricas que ganham paradas para operar emergencialmente e sem a concorrência das hidrelétricas operariam mais tempo “emergencialmente”?
Como a EPE consegue esquecer que todas as hidrelétricas podem, como faz Itaipu, viabilizar a irrigação por gotejamento? Como a EPE não leva em conta que as hidrelétricas abastecem cidades de toda a Região Metropolitana de Salvador? Como apagar dos dados de estudo que a cidade de Limeira tem sua água potável originada da pequena central hidrelétrica Rio do Lobo?
Como a EPE faz para deixar de considerar as menores perdas e ganhos de potência gerados pelo uso da energia das pequenas hidrelétricas na hora de pico pelas distribuidoras, evitando o despacho de usinas de grande porte que estão situadas muito mais distantes?
Como a EPE tem feito para desconsiderar o valor dos reservatórios das hidrelétricas para favorecer à piscicultura e à aquicultura como em Itaipu, a importância das hidrelétricas para evitar enchentes armazenando os picos de afluência em seus reservatórios? Como a EPE faz para esquecer que as hidrelétricas impedem o plantio e a ocupação irregular das áreas de preservação ambiental evitando mortes e destruição durante as grandes enchentes?
Como a EPE faz para ignorar o valor turístico, imobiliário, de lazer, ambiental de um reservatório como o do Lago Paranoá, em Brasília que sendo um reservatório da usina do mesmo nome, de propriedade da CEB, mudou o clima da capital, acabando com a secura do ar cuja umidade menor do que 20% , rachava os lábios dos primeiros habitantes da capital?
Ao projetar, licenciar, construir e cuidar dessas áreas verdes as hidrelétricas realizam investimentos que precisam ser compensados pela energia que geram.. Estes ganhos externos exigem investimento e custos operacionais que precisam ser remunerados.
São vantagens inegáveis que a EPE, que sempre se disse tão preocupada com questões ambientais, recusa-se, omite-se há mais de 19 anos ao não considerar.
A própria ANEEL, há mais de cinco anos, publicou detalhado estudo, que provou o valor dessas externalidades, que inexplicavelmente, nunca foi utilizado para nada, apesar de elaborado pelo seu próprio time de competentes técnicos. A EPE não conhece esse estudo da ANEEL? Ou teria resolvido dele não tomar conhecimento? Ou não concorda com esses estudos e tem seus próprios estudos mas não os torna públicos?
A ANEEL, tendo a obrigação legal de zelar pelo bom uso dos potenciais hidrelétricos da União, não pode continuar considerando como “iguais” fontes tão diversas. Deve aos consumidores, aos investidores e usuários do meio ambiente nacional investigar tudo isso no BNDES e na EPE com muito cuidado.
No BNDES a ANEEL deve investigar por que razão esse banco estatal de desenvolvimento estatal pode adotar, para equipamentos e obras de geração hidrelétrica fabricados no Brasil, remuneração 37 % maiores do que para usinas 100% fabricadas no exterior. Na China por exemplo.
A ANEEL deve procurar identificar quais as razões pelas quais existe tanta falta de isonomia e mesmo de sentimento nacionalista, em um banco nacional de desenvolvimento econômico. Ainda mais num setor cuja inadimplência é quase desprezível.
Para esses estudos serem transparentes, a ANEEL deve voltar a publicar como antes do início do Governo Bolsonaro, um informativo gerencial detalhado dos números do setor elétrico, tanto nas atividades de distribuição e transmissão como da própria elaboração de projetos e inventários hidro energéticos.
Um informativo gerencial, que foi inexplicavelmente descontinuado.Por exemplo, quanto à evolução das tarifas de distribuição. Por que razão? Ninguém sabe.
Deve explicar a ANEEL também nesse estudo, o motivo da falta de transparência da EPE na formação dos preços para os leilões que tem viabilizado térmicas fósseis oito vezes mais caras, poluentes e 100% importadas, que operam com combustíveis importados, sabotando pelos baixos preço-teto, a entrada de novas hidrelétricas, muito mais baratas, de qualquer porte.
Sem dúvida, essa investigação anunciada pela ANEEL deve deter-se em buscar explicações para esse fenômeno de baixos preços de compra e altos juros de financiamento, para detectar se eles tem fundamento em fatos reais e em uma avaliação isenta, logica, racional e de forma a atender ao interesse nacional. Ou refletiriam interesses particulares e não republicanos em deslocar as hidrelétricas para favorecer às térmicas fósseis.
Afinal, novas hidrelétricas podem ameaçar o monopólio das térmicas à noite e de madrugada, quando as fontes intermitentes como a eólica e fotovoltaica deixam de operar de forma adequada. Ou deixam completamente de operar, necessitando uma “ajudinha” das termoelétricas fósseis.
Nesse estudo, a ANEEL precisa ser transparente e não ter nenhum problema em questionar e ouvir sobre isso os seus colegas funcionários públicos do BNDES, da EPE, da Petrobras e da Eletrobrás.
Afinal, para cumprir a promessa de zerar as emissões de gases do efeito estufa até o fim do seu mandato, o novo governo precisará abandonar a geração térmica permanente com combustíveis fósseis, que são caríssimos, importados e poluentes.
A transição energética que precisamos deve usar as fartas quantidades de energias renováveis que existem no Brasil e no mundo como a hidrelétrica, que pode gerar durante 24 horas por dia.
O nosso “mix renovável de energia, para atender ao interesse nacional em energia barata e não poluente, bem como o compromisso do Brasil com zerar a geração de gases do efeito estufa, deve ser água + sol + biomassa + vento.
E não a enganação de usar sol de dia, mas usar muito petróleo importado, caro e poluente de noite e de madrugada. A ANEEL precisa, tem condições e obrigação de ser a fiadora dessa transição energética do Bem.
*(Engenheiro eletricista, CEO da ENERCONS, foi presidente da ABRAPCH, da COPEL Distribuição e Diretor de Planejamento da COPEL holding)