STF acata ações que podem derrubar lei que protege rio Cuiabá
Além de duas ações diretas de inconstitucionalidade contra lei que proíbe usinas em abastecedor do Pantanal, também foi admitido o ingresso do Sindenergia como “amicus curiae” em uma das ações
Por Michael Esquer, em((o))eco
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, admitiu duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) que tramitam na suprema corte contra a lei que proíbe a construção de usinas no rio Cuiabá, em Mato Grosso. As decisões foram publicadas nesta segunda-feira (13) no Diário da Justiça Eletrônico.
De autoria do deputado estadual Wilson Santos (PSD-MT), o Projeto de Lei (PL) nº 957/2019, que deu origem à Lei Estadual nº 11.865, foi aprovado em maio do ano passado, mas recebeu o veto integral do governador Mauro Mendes (União Brasil-MT), que entendeu a matéria como inconstitucional.
A legislação, porém, foi promulgada após os deputados da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) terem revertido o veto.
De número 7319, a primeira ADI apresentada contra a lei é da Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel), e foi protocolada em novembro do ano passado. Já a segunda, de número 7323, é da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e foi apresentada em dezembro.
As duas ações admitidas pelo ministro Fachin (veja aqui e aqui), e das quais ele é relator, argumentam que a legislação em vigor em Mato Grosso teria invadido competência privativa da União para legislar sobre água e energia.
“Em face do ordenamento constitucional poderá trazer consequências importantes para o exercício das competências constitucionais, para a geração de energia e proteção ao meio ambiente. Em razão disso, considero admissível o trâmite da presente ação direta”, diz trecho do despacho de Fachin, repetido em ambas ações.
Na ADI da Abragel, o ministro Fachin também admitiu o ingresso como “amicus curiae” (amiga da Corte) do Sindenergia (Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica e Gás no Estado de Mato Grosso).
Tanto na ação da CNI quanto da Abragel o STF pediu informações à ALMT e ao governo de Mato Grosso, no prazo de dez dias. A suprema corte ainda solicitou, na sequência, manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador Geral da República, no prazo de cinco dias.
Impactos para o Pantanal
O rio Cuiabá é alvo de um projeto de seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), que atualmente está inviabilizado pela lei que está sendo judicializada. O complexo estava previsto em um trecho de 190 km do rio, em áreas de seis municípios mato-grossenses: Cuiabá, Várzea Grande, Jangada, Nobres, Acorizal e Rosário Oeste.
Como mostrou ((o))eco, estudo de impacto de hidrelétricas na BAP, feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), caracteriza o rio como zona vermelha para implantação de empreendimentos hidrelétricos, principalmente pelo papel importante de manutenção do Pantanal.
A investigação concluiu que 89% dos peixes do rio Cuiabá são de piracema, ou seja, são migradores, que transitam entre o curso d’água e o bioma. Além disso, o rio é responsável pela produção do maior número diário de ovos de peixes migradores durante a piracema entre todos os cursos d’água da BAP.
Para especialistas consultados por ((o))eco, a construção das usinas no rio ainda pode interromper o fluxo de peixes entre o curso d’água e o Pantanal, reter em até 90% o transporte de sedimentos para o bioma, acelerar o processo de erosão das margens do rio e impactar a cadeia econômica das cidades que dependem da pesca na região.
*Michael Esquer é jornalista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com passagem pela Universidade Distrital Francisco José de Caldas, na Colômbia, tem interesse na temática socioambiental e direitos humanos.