Caminhos para expansão
Arbex disse à reportagem que existe ainda espaço para UHEs de até 2 GW e usinas reversíveis no país, mas que é preciso entender o contexto e momento de uma guerra econômica permanente com lobistas da indústria do petróleo e mineração. A entidade segue lutando por PCHs com pequenos reservatórios, o que depende de topografias diferentes e das análises socioambientais e econômicas, que tendem a ser mais céleres do que nos grandes projetos.
“O que estamos buscando fazer são usinas flexíveis, com reservatório e colocar em mercado específicos”, resume. Um ponto a ser retomado pela associação em discussões com os agentes é sobre a alocação do custo do fio proporcionalmente à distância dos empreendimentos, o que ficou estagnado após a aprovação de uma emenda de um deputado ligado a energia eólica. Hoje uma usina no Chuí (RS) ou Oiapoque (AP) tem que fazer uma linha para trazer a energia ao consumo, o que pode custar mais que o próprio empreendimento.
A Abrapch trabalha com um potencial de 13,7 GW de projetos já com inventário aprovado na Aneel, além de pelo menos 10 GW que ainda não foram devidamente analisados. Os números são próximos a um levantamento do novo governo antes das eleições, o qual apontava a prioridade no desenvolvimento de 98 hidrelétricas de menor porte e somando 12 GW longe de áreas mais sensíveis como terras indígenas e unidades de conservação.
O mesmo estudo apresentado antes das eleições por Maurício Tomalsquim mostra que atualmente existem estudos de viabilidade de 59 GW de hidrelétricas, sendo que 77% desse potencial estão ou em terras indígenas, ou em unidades de conservação, ou ainda em unidades de uso sustentável. O que sobra são projetos que representam menos de um terço dessa potência.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial hidroelétrico no país é estimado em 172 GW, dos quais mais de 60% já foram aproveitados. Cerca de 70% do potencial ainda não aproveitado está localizado nas bacias Amazônica e Tocantins-Araguaia. Já considerando usinas menores as regiões de maior potencial estão concentradas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul, sendo a verdadeira fonte distribuída por estar presente também em todo país e não requerendo aportes adicionais de transmissão, além de reduzir perdas por serem implementadas perto dos centros de consumo.
Para o CEO da divisão de Hydro da GE Renewable Energy na América Latina, Cláudio Trejger, o primeiro passo na expansão da fonte é a modernização das usinas, garantindo que elas estejam disponíveis por mais tempo como base do sistema, vislumbrando novas oportunidades para esse segmento após a privatização da Eletrobras e compromisso desse tipo de iniciativa nos ativos do grupo. “O mercado está com expectativa para os planos de modernização das UHEs, com alguns projetos sendo assinados nos últimos anos com a Chesf e Furnas”, destaca.
A fabricante de turbinas e provedora de Operação & Manutenção possui atualmente contratos para modernização das usinas de Itaipu, São Simão, Ilha Solteira, Jupiá e Salto Osório, cada um com escopos diferentes, além do aumento de capacidade e ampliação da UHE Curuá-Una e O&M da usina de Igarapava e manutenção de Belo Monte.
Trejger explica que quando se moderniza um ativo, além de manter a disponibilidade com peças mais novas e sistemas de controle atualizados, pode haver a repotenciação e outros benefícios que são parcialmente explorados atualmente. São usinas antigas, de épocas em que as hidrologias eram diferentes, sendo possível trabalhar em estudos e análises para otimizar a eficiência das turbinas, o que gera resultados de maior potência, mas que também exige custos ao gerador, que hoje não conta com incentivos para tal.
Estamos buscando fazer usinas flexíveis com reservatório e colocar em mercado específicos.Paulo Arbex, da Abrapch
“Outros pontos a serem aproveitados é a compensação ao sistema intermitente, com as máquinas das usinas podendo trabalhar com compensadores síncronos, algumas até já prontas para receberem essa capacidade, algo que poderia ser algo previsto em leilão”, adiciona o executivo. Ele lembra também de conversas com diretores de empresas que reclamam precisar partir e parar as turbinas muito mais vezes do que foram concebidas, o que diminui a vida útil das unidades.
A ideia é propor uma coleção de mudanças regulatórias necessárias para remover barreiras a comercialização de novos serviços nesses ativos pós-modernização, reforma ou repotenciação, aumentando assim o apetite do operador da planta e do investidor para realizar ou financiar as obras. Entre elas estão a inclusão nos leilões de reserva, esclarecimento dos conceitos de “Ampliação” e “Melhorias” utilizados em contratos de concessão, além de alocar garantia física decorrente de melhorias e expansão para descarte gratuito do gerador.
Quanto ao potencial de repotenciação de usinas superiores a 100 MW e vida operativa de pelo menos 25 anos e que ainda não foram eficientizadas, a EPE identificou um total de 49,9 GW entre 51 usinas em todos os submercados do país. Em outra pesquisa, feita pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no ano passado, a modernização de algumas hidrelétricas suscetíveis poderia resultar em 4,7 GW adicionais ao sistema.
Outra oportunidade de rápida disponibilidade de oferta de potência é o preenchimento de espaços prontos nas usinas para receberem novas turbinas. O potencial também foi levantado em estudos da EPE de 2012, onde se contabilizou 7,2 GW possíveis de implantação.
Entre esses casos está a UHE São Simão, com quatro buracos prontos para receber novas máquinas instalação, mas com a atual regulação as unidades a serem adicionadas iriam agregar em potência e muito pouco energia, já que nos contratos atuais os dois produtos estão juntos e as condições não são remuneradas. A usina de Porto Primavera também tem espaço para mais turbinas mas não possui água para produção da energia, o que poderia ser resolvido com um leilão de lastro e energia no longo prazo, com o pagamento sendo feito pelo setor visto ser um bem sistêmico.
Procurada pela reportagem, a CTG Brasil possui duas usinas nessas condições, Rosana e Taquaruçu. Com 12 UHEs, duas PCHs e participação em outras três usinas, a geradora entregou a UHE São Manoel em 2015 e não está construindo nenhuma nova usina, focando suas atenções no que refere como o maior projeto de modernização do setor no Brasil, na UHE Ilha Solteira, sexta maior do país e a primeira dessas dimensões a ser implementada no país, na década de 1970. O projeto vai aumentar a disponibilidade e a confiança das operações e garantir a eficiência do sistema gerador de energia por mais 30 anos.
Ao todo serão destinados R$ 3 bilhões em investimentos para instalação, substituição e reforma de 34 unidades geradoras e adequação dos sistemas existentes. Somente em 2023 serão investidos R$ 228 milhões no programa, que também abarca a UHE Jupiá, a qual já computou aumento de 18,3 MW médios após o início do processo. Outras usinas da empresa no radar para esse tipo de trabalho são as da bacia do Paranapanema, o que dependerá também da definição da renovação das concessões dentro do PL 414.
“O grande desafio tecnológico é a digitalização das usinas para melhorar a eficiência na produção, sendo capaz de no longo prazo ter utilizado menor quantidade de água para produzir mais energia”, comenta à Agência CanalEnergia o vice-presidente de geração da CTG Brasil, Evandro Vasconcelos. Ele acrescenta que a companhia está investindo também em um novo centro de operação em Ilha Solteira e um sistema de obtenção de dados vindos das turbinas para desenvolver mecanismos de inteligência artificial que permitam buscar esse ponto ótimo.
Sobre novas usinas, o executivo ressalta o longo caminho de maturação para entrada em leilões em função de medições, sondagens e análises, e que há muitos anos o governo não investe nessa área, o que deve mudar agora a partir da sinalização do Tolmasquim. Para ele um dos desafios é desenvolver um tipo de conhecimento socioambiental que envolva sociólogos, assistentes sociais, biólogos e outros profissionais para avançar na elaboração de projetos que dialoguem com áreas sensíveis em respeito ao meio ambiente e aos povos nativos e diferentes culturas.
“É preciso desenvolver mecanismos sofisticados que respeitam a cultura e especificidade desses povos e temos esperança de que o projeto de São Luis do Tapajós (AM) venha a se tornar viável nesses moldes mais amigáveis, assim como outras UHEs no país possam vir a leilão no futuro”, afirma Vasconcelos, acrescentando que a empresa também avalia possibilidades com PCHs por novas aquisições ou construções, embora não esteja no topo de suas prioridades. “Estamos disponíveis para investir naquilo que surgir como oportunidade para produção de energia, o que depende também do arcabouço regulatório e políticas do país”, completa.
O VP da CTG Brasil também aponta ser possível desenvolver UHEs na Amazônia utilizando a tecnologia que a Petrobras adota no oceano, sem a construção de estradas de acesso e desmatamento, construindo a usina via plataformas e com a logística acontecendo por helicópteros e outras alternativas aéreas. Esse modelo de retomada vem sendo sugerido e corroborado pela Abrage, que também se debruça na aprovação da nova regulamentação para Segurança das Barragens junto à Aneel e as tratativas sobre o Preço Mínimo para a Exportação de Energia Vertida Turbinável (EVT) para a Argentina e Uruguai.
Questões ambientais
Segundo Mario Menel, do Fase, a usina mais próxima de ser viabilizada no país é Tabajaras (RO), que já passou por diversas audiências públicas e compensações definidas, um ativo que era de 700 MW e está hoje em 400 MW, desenvolvendo tecnologias para ter produtividade com quedas baixas d’água e não tirando o rio de sua calha. “O setor elétrico se autocensurou no caso das hidrelétricas. Na primeira dificuldade ambiental ao invés de combatê-la foi reduzida a potência de uma usina ou de um reservatório”, opina.