Novo modelo setorial e corte de subsídios da conta de luz são decisivos para recolocar o setor no caminho da competitividade.
A energia elétrica é o principal insumo da indústria brasileira. O custo e a qualidade do fornecimento são fundamentais para determinar as condições de competir dos produtos nacionais. O atual modelo do setor elétrico, contudo, tem apresentado claros sinais de esgotamento, sendo urgente a necessidade de mudanças. É preciso repensar estratégias e adotar soluções que garantam o aprimoramento do modelo comercial e operacional do setor, com foco no aumento da competitividade.
O Brasil tem uma das matrizes mais limpas do mundo, com mais de 85% da energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis. Além disso, o país tornou-se um grande produtor de energia eólica e solar, que, em 2030, deverá representar mais da metade de toda a produção. Mesmo com o forte incremento da geração, o custo da energia não para de subir. Estamos em uma situação paradoxal, apesar da oferta de energia ser maior do que a demanda, a tarifa não diminui, e existe forte tendência de crescimento.
No fim do século passado, nosso sistema elétrico era considerado um dos mais eficientes do mundo. Os grandes reservatórios hidrelétricos e um sistema interligado por uma ampla rede de transmissão garantiam a segurança e o baixo custo da eletricidade. Essa situação representava uma importante vantagem competitiva para a economia brasileira e para a indústria.
Infelizmente, esse tempo passou. A energia elétrica, agora, é cara. O recente histórico de intervenções no setor, aliados às questões de gestão e de planejamento, desestabilizaram o modelo, gerando complexidade, judicialização e enormes passivos financeiros que recaem sobre os consumidores. A tarifa paga pelos consumidores suporta os custos associados à geração, transmissão e distribuição, além de encargos setoriais e impostos. Em média, mais de 41% do valor da conta de luz é composto por encargos e tributos (13,8% são encargos e 27,4%, impostos).
Existem fatores conjunturais e estruturais que explicam o elevado preço da energia no Brasil. Dentre os conjunturais, tivemos 2 fenômenos nos últimos anos: a pandemia da covid-19 e a crise hídrica de 2021, que causaram problemas financeiros no setor. Para contorná-los, foram tomados empréstimos para fazer frente à redução de demanda das distribuidoras durante a crise sanitária e aos efeitos econômicos do acionamento de termoelétricas durante a escassez hídrica. Os valores dos financiamentos equivalem a R$ 25 bilhões e serão pagos pelos consumidores até 2027.
Do lado dos fatores estruturais, o Brasil tem mais de uma dúzia de encargos setoriais e taxas que oneram a tarifa de energia elétrica. Considerando-se apenas a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), esses encargos somaram R$ 37 bilhões em 2024. As taxas e os encargos foram criados com bons propósitos em sua forma individual, mas não em seu conjunto. Hoje, seu peso global constitui um sério entrave aos novos investimentos e ao desenvolvimento sustentável do setor elétrico.
A facilidade política para criar encargos contrasta com a enorme dificuldade para sua revisão ou eliminação. Essa é a razão pela qual se prefere garantir subsídios via encargos, que não passam pelo escrutínio político na análise do orçamento público, em detrimento do uso de recursos orçamentários. Assim, os encargos setoriais acabam financiando políticas setoriais e subsídios que tendem a se perpetuar, mesmo quando perdem a eficiência econômica.
A racionalização dos encargos deve ser encarada como uma agenda prioritária na modernização do setor elétrico, principalmente no que se refere à diminuição dos subsídios cruzados, tornando mais claros os sinais de preços e permitindo que todas as fontes possam competir nas mesmas bases.
Mas há outros assuntos a serem tratados na área elétrica. O projeto de lei 414 de 2021, que já foi aprovado no Senado e tramita na Câmara, tem dispositivos capazes de promover parte significativa das transformações que o setor precisa. A proposta apresenta soluções para a adequação da metodologia de formação dos preços, alocação de riscos e contabilização de externalidades ambientais, além de consolidar a premissa de separação de lastro e energia.
A trajetória de elevação tarifária não é compatível com a dinâmica econômica e tecnológica do setor elétrico. O crescimento das tarifas tende a incentivar a saída de consumidores da rede interligada, criando aumentos tarifários para os consumidores cativos, dependentes do fornecimento das distribuidoras.
Portanto, o momento requer muito trabalho e mobilização para que as oportunidades não sejam perdidas. Precisamos dar seguimento às discussões sobre o novo marco legal do setor elétrico por meio do PL 414 ou de proposições que caminhem na mesma direção.
A indústria tem esperança de que a energia elétrica volte a ser uma vantagem comparativa da economia brasileira. A construção de um novo modelo setorial e a diminuição dos subsídios pagos na conta de luz são decisivos para recolocar o setor no caminho da competitividade. Essas mudanças incentivarão a recuperação da indústria e a volta do crescimento econômico num ritmo mais condizente com as necessidades do país. É preciso enfrentar os desafios com coragem e determinação para criar um mercado de energia mais diversificado, competitivo e eficiente
Comentário do Engenheiro e CEO da ENERCONS Ivo Pugnaloni
Para o CEO da ENERCONS, engenheiro eletricista Ivo Pugnaloni, a carga no sistema elétrico que essa nova unidade industrial vai acrescentar não poderá ser sustentada por geração solar, altamente influenciada por dias nublados, chuvosos e pelo inexorável horário depois das 16 horas, quando o sol vai se pondo. “Só fontes hidrelétricas ou termelétricas podem suprir cargas como essa, pois são permanentes. Resta saber se o Ministério de Minas e Energia vai preferir gerar energia elétrica com água nacional, ou com derivados de petróleo importados, caríssimos e poluentes” comentou.
Pugnaloni lamentou estar ainda paralisada nas assessorias do MME , há três anos, a precificação das externalidades ( benefícios e prejuízos adicionais ao meio ambiente) de cada fonte. “Talvez seja a ação dos poderosos “lobbies” aos quais se referiu o próprio ministro Silveira na sua excelente entrevista à CNN, semana passada”, disse o executivo que foi diretor de planejamento da COPEL , concessionária do Paraná.
“Não há como negar que as assessorias do MME estarão fazendo o governo incorrer em grave risco de judicialização caso o Leilão de Reserva de Capacidade não venha a atender ao artigo 26, parágrafo 1-G que determina que todos os benefícios ambientais e de garantia de fornecimento sejam considerados, nos certames como esse, que envolvem centenas de bilhões de reais em energia elétrica, disse ele.
“Vejam leitores o que diz a Lei 9784/99 Art. 26 § 1º-G. “O Poder Executivo federal definirá diretrizes para a implementação, no setor elétrico, de mecanismos para a consideração dos benefícios ambientais, em consonância com mecanismos para a garantia da segurança do suprimento e da competitividade, no prazo de 12 (doze) meses, contado a partir da data de publicação deste parágrafo. Se isso não aconteceu, o MME corre o risco de um mandado de segurança interromper todo esse processo de compra enorme, pois a data de publicação deste parágrafo foi 01.03.21. E quem aviusa, geralmente, amigo é”, adendou.
“O atual governo brasileiro precisa entender, de uma vez por todas, que não basta geração solar e eólica para fazer a transição energética, pois elas são fontes intermitentes. Param de uma hora para a outra de produzir. Essas duas fontes são muito boas, mas tem esse grave defeito. Sem novas hidrelétricas para completar a geração faltante da solar e eólica a cada momento, a nossa matriz vai ter que usar cada vez mais termelétricas que já são, graças às manobras desses lobbies, mais de 37% da capacidade instalada do Brasil”, concluiu preocupado Ivo Pugnaloni.
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