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Política do ‘pague 2 obras e leve 1’ compromete queda da tarifa de Itaipu

A dívida para a construção da usina binacional no rio Paraná, entre Brasil e Paraguai, será quitada neste ano, o que permite um corte expressivo no preço final.

A tarifa anunciada para a energia de Itaipu em 2023 é a mais baixa da história. A dívida para a construção da usina binacional no rio Paraná, entre Brasil e Paraguai, será quitada neste ano, o que permite um corte expressivo no preço final.

Foi fixado do lado brasileiro uma tarifa de US$ 12,67 por kW (R$ 66 por kilowatt), que passou a vigorar no último domingo (1º). Em comparação ao valor praticado em 2022, trata-se uma queda de 33% em dólar.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a postar numa rede social, na terça-feira (3), já fora do cargo, que sua gestão havia feito essa redução em favor do país.

Essa tarifa, no entanto, é provisória, e o seu valor final, imprevisível. Não foi acordada com o Paraguai. O anúncio antecipado no Brasil, inclusive, incomoda os vizinhos, que estão em pleno período eleitoral. Querem tratar do tema apenas no segundo semestre de 2023.

Os negociadores paraguaios já falam em manter a tarifa fixada neste ano, de US$ 20,75 (R$ 108,25), segundo pessoas ouvidas pela Folha. A diferença é alimentada por divergências em relação a quanto será reservado por Itaipu para bancar os seus programas socioambientais –obras, em sua maioria.

Quando se olha a tarifa, a variação do valor é de poucos dólares, mas no orçamento de Itaipu o que estará em discussão será uma diferença de quase US$ 1,2 bilhão (R$ 6,2 bilhões).

“Saudamos a redução anunciada pelo Brasil, mas ela pode ser um baita fake”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia. “Os valores em discussão com o país vizinho são tão elevados que não dá mais para falar em ressarcimento pela Guerra do Paraguai.”

Segundo levantamento realizado pela consultoria PSR, uma das mais conceituadas do Brasil, os gastos com os chamados programas de responsabilidade socioambiental de Itaipu passaram de US$ 88,5 milhões (R$ 461,7 milhões) em 2013 para US$ 316,1 milhões (R$ 1,65 bilhão) neste ano, uma expansão de 257%.

“Se tal aumento não tivesse ocorrido, certamente, o fardo incidente na fatura do consumidor cativo brasileiro [residências e pequenos negócios] teria sido inferior”, destaca o relatório.

Neste final de ano, a própria administração da usina divulgou 26 empreendimentos financiados pela tarifa de energia na gestão bolsonarista de 2019 a 2022. Na lista estão grandes projetos, como as obras da Ponte de Integração Brasil-Paraguai e da Estrada Boiadeira, trecho da BR-487 no Paraná, que foram prestigiadas com visitas de Bolsonaro no ano passado.

O relatório da PSR afirma que “os recursos destinados a obras constituem um pujante ativo político, embora incompatíveis com o escopo a que se destina o pagamento da tarifa de Itaipu”. A consultoria destaca que também foram financiadas com as tarifas de energia bolsas universitárias, pontes, escolas e estradas no Paraguai.

OBRAS PAGAS POR ITAIPU PRESSIONAM CONTA DE LUZ NO BRASIL

Os especialistas do setor de energia do lado de cá da fronteira, no entanto, alertam que a conta desses projetos recai sobre o Brasil.

Pelo acordo original, Itaipu não foi feita para dar lucro. A sua tarifa de energia equivale à soma do pagamento da dívida e das despesas para manter a usina, agrupadas no chamado Cuse (Custos de Serviço de Eletricidade).

Grosso modo, o Cuse acomoda três grupos de despesas: o pagamento de royalties pelo uso da água, gastos com a manutenção da usina, e com a exploração dos recursos hídricos.

Em 2005, o custo de exploração passou a incluir os desembolsos com uma nova missão de Itaipu, promover o desenvolvimento social, econômico e ambiental em sua área de influência. Do lado do Brasil, essa área é o estado do Paraná. Do outro lado da fronteira, todo o território do Paraguai.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), que foi diretora financeira de Itaipu, teve participação direta na definição e implantação desse novo papel socioeconômico, na época com iniciativas mais focadas em serviços sociais.

Por ser uma usina binacional, tudo em Itaipu é compartilhado entre os dois países, incluindo os recursos dos projetos socioambientais. Para cada US$ 1 gasto com uma obra no Brasil, obrigatoriamente outro US$ 1 será destinado ao Paraguai para destino similar.

No entanto, ainda que cada lado da fronteira também tenha direito a 50% da energia gerada pela hidrelétrica, historicamente, cerca de 90% da receita de Itaipu saiu da venda de energia no Brasil. Hoje, esse percentual está na casa de 86%. Isso ocorre porque o Paraguai não consome tudo a que tem direito e vende para o Brasil a parcela que sobra.

Segundo levantamento da PSR, o Brasil custeia, apenas com o excedente de compra do país vizinho, um equivalente a 17,5% do orçamento do Ministério de Obras Públicas do Paraguai.

Do lado de cá da fronteira, por lei, distribuidoras dos estados do Sul, Sudeste e Centro Oeste são obrigadas a comprar cotas de energia de Itaipu. Esse custo está na conta de luz.

Por causa desses detalhes, pouco conhecidos pela maioria dos brasileiros, especialistas afirmam que os consumidores de energia de dez estados do Brasil, na prática, pagam em sua conta de luz por duas obras, mas levam uma –lembrando que do lado de cá da fronteira apenas o Paraná é favorecido.

“A gente vê esses custos com muito receio. Não deveria haver a possibilidade desses repasses”, afirma Ângela Gomes, consultora da PSR.

“Primeiro, porque não há na regulação um incentivo para que a usina tenha custos mais baixos, inclusive para ser mais eficiente na gestão financeira dessas obras. Mas o pior é que esses custos são repassados aos consumidores finais, o que funciona como um imposto regressivo, que pesa muito mais para quem tem menor renda.”

Em outras palavras, isso significa que moradores de áreas pobres, como a comunidade de Heliópolis, em São Paulo, e Belford Roxo, no Rio, muitos deles sem dinheiro para pagar um curso de qualificação, bancam em suas contas de luz as bolsas de estudo concedidas pelo governo do Paraguai a seus cidadãos vulneráveis.

Segundo Gomes, o Brasil tem a chance de acabar com essa distorção na revisão do Anexo C do tratado, neste ano. Desde quando a usina começou a operar, nos anos 1980, existe a expectativa de que a tarifa seria reduzida na exata proporção do que fosse abatido da dívida. Com a quitação, as partes também poderiam repactuar todo o Anexo C do tratado binacional, que versa sobre as diretrizes financeiras

GLEISI HOFFMANN E JANJA TERÃO PAPEL NA NEGOCIAÇÃO

A dívida de Itaipu começou a cair no ano passado. Foi de US$ 2 bilhões (R$ 10,4 bilhões) para US$ 1,4 bilhão (R$ 7,3 bilhões). Neste ano serão US$ 277 milhões (R$ 1,4 bilhão). Era para ser o momento de retorno para os consumidores brasileiros, mas foi aí que começaram as divergências com o preço da energia.

O MME anunciou no final de 2021, e a Aneel também ratificou, que a queda da dívida levaria a uma tarifa de US$ 18,97 (R$ 98,96). Os negociadores do Paraguai, no entanto, queriam manter o valor que estava congelado desde 2009, de US$ 22,60 (R$ 117,9). As discussões se arrastaram até agosto, quando foi anunciada a tarifa de US$ 20,75.

Na prática, isso aumentou a despesa de exploração para o inédito valor de US$ 1,054 bilhão (R$ 5,5 bilhões). Nos dez anos anteriores, na média, esse custo foi de US$ 763 milhões (R$ 3,98 bilhões).

Para que os consumidores brasileiros não fossem impactados, a diferença em relação à tarifa provisória foi subsidiada pela conta de comercialização de energia de Itaipu.

A tarifa provisória para 2023 foi ratificada no final de dezembro em reunião da Aneel, numa exposição técnica, a favor do valor, feita pelo diretor Fernando Luiz Mosna. A diretoria da Aneel sabe que a negociação será ferrenha, mas a agência entende que sua missão é defender uma tarifa o mais competitiva possível.

“Nós vamos ter uma redução da tarifa de Itaipu, decorrente do fim da amortização da dívida, em média, de 3% nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste”, afirma Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel. “E a negociação do tratado do Itaipu é uma grande oportunidade para uma redução estrutural da tarifa.”

O valor provisório foi apresentado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) em 19 de dezembro, a duas semanas da posse do governo eleito, como “uma herança bendita” da gestão bolsonarista. No entanto, a Folha apurou que houve divergências na definição do valor.

Simulações mostram que com uma dívida residual e o custo de exploração em US$ 796 milhões, a tarifa poderia cair para US$ 10,77 (R$ 56). O então ministro do MME Adolfo Sachsida defendia esse valor. A percepção é que baixar a régua o máximo possível na largada melhoraria as condições para negociar com o Paraguai.

Com a tarifa nesse patamar, o valor da energia de Itaipu também equivaleria ao preço no mercado à vista no Brasil, R$ 55, tornando-a competitiva no mercado livre. No entanto, o ministro foi convencido a ficar com um valor maior, justamente para não arrochar a despesa de exploração.

Manter o valor da tarifa atual, como sinaliza o Paraguai, colocaria o custo de exploração acima de US$ 2 bilhões. Em Itaipu, existe a perspectiva de um diálogo inicial na casa de US$ 1,6 bilhão, quase o dobro do almejado pelo Brasil.

Caberá ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definir se o Brasil quer mais obras ou uma conta de luz menor e renegociar o Anexo C.

Os especialistas do setor afirmam que é difícil prever como a questão vai avançar no Lula 3, com as novas gestões no MME, no Ministério das Relações Exteriores e na direção de Itaipu, interlocutores nessa negociação.

O ex-governador do Paraná Roberto Requião foi cotado para o conselho, mas já descartou a possibilidade. À coluna Mônica Bergamo, afirmou que a oferta foi um desrespeito.
Pessoas próximas a Itaipu acreditam na volta de Jorge

Samek, que já comandou a empresa e tem boas relações com os paraguaios. Mas existe bolsa de apostas pela indicação do ex-ministro Paulo Bernardo. Também ganha força o nome do deputado Enio Verri (PT-PR).

É esperada a participação de Gleisi Hoffmann em todas as discussões sobre Itaipu. Questões sobre a usina também tendem a atrair a atenção da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, que trabalhou por quase 20 anos em Itaipu. Além de ter atuado como assistente do diretor-geral, ela coordenou programas voltados justamente ao desenvolvimento sustentável.

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