O Plano Decenal de Energia, colocado em consulta publica um dia antes da véspera do Natal, determina que sejam construídas novas 81 usinas térmicas com capacidade total de 13.600 MW até 2017. Se forem mesmo construídas elas representarão quase uma usina de Itaipu inteira, alimentada com derivados de petróleo e outras fontes fósseis, triplicando as emissões de CO2 do setor elétrico brasileiro. Tentando justificar essa “Itaipu de Poluição”, os responsáveis põem a culpa no setor ambiental e no Ministério Público, que entravariam novas hidroelétricas. As usinas serão construídas junto às cargas, ou seja, dentro de muitas das principais cidades brasileiras.
Especialistas independentes têm outra opinião. Eles dizem que os parâmetros arbitrados nas fórmulas usadas nos editais de leilão de compra de energia favoreceriam às termoelétricas em detrimento das usinas hidroelétricas, eólicas e movidas a biomassa.
Apontam também a ineficiência da ANEEL em fiscalizar o retardo intencional e a não-construção de empreendimentos hidráulicos já autorizados que estariam sendo vendidos num autêntico “mercado negro” de autorizações de geração. Culpam também o fato da ANEEL ter um pequeno número de técnicos (apenas doze) para analisar mais de 37.000 MW de novos inventários e projetos de geração hidroelétrica que foram entregues à agência nos últimos cinco anos. Os especialistas também se indagam se o Presidente Lula não gostaria de conhecer uma versão diferente dessas idéias “oficiais” e muito estranhas de comprarmos 81 novas termoelétricas. E também se não seria útil ao presidente dispor de outras alternativas, para quando tiver que tentar convencer, por exemplo, ao presidente Barack Obama, que aqui no Brasil, ao contrário do que ocorre no mundo inteiro, as “eólicas não funcionam” e que nos próximos anos estaremos muito ocupados, construindo uma nova estatal, a IPP ou “Itaipu de Petróleo e Poluição”. E dizem que já pediram uma audiência ao Presidente Lula, para o caso dele estar interessado em conversar sobre o assunto.
Quem terá a razão?
06/01/2009 Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni
engenheiro eletricista, ex-diretor da Companhia Paranaense de Energia – COPEL, atual diretor da ENERCONS Consultoria em Energia Ltda.
O fato.
1. Temos potencial hidráulico de sobra. Mas nos leilões da ANEEL e da EPE, há mais de 3 anos quase que só se compra energia de fonte fóssil.
Segundo a ELETROBRÁS, o Brasil possui um potencial hidráulico inventariado e ainda não aproveitado, de quase 200 mil MW. Mais de 14 vezes a potência de Itaipu. Mais de 2,5 vezes toda a potência instalada que temos hoje, de fonte hidráulica, que é de 77 mil MW.
Infelizmente porém, a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica e a EPE – Empresa de planejamento Energético (que promovem os leilões de energia em nome do Governo Federal) compraram até hoje, menos de 15% de energia de fonte hidráulica.
A maior parte, 75 %, foram comprados de empreendimentos movidos a carvão, óleo diesel e óleo combustível.
Comprovando esse verdadeiro absurdo, dados do ONS – Operador Nacional do Sistema, mostram que ocorreu um espantoso crescimento de 58% na produção de energia de origem termoelétrica que passou de 1401 GWh/ano entre 1998 e 2002 para 2261 GWh/ano entre 2003 e 2007.
E o mais grave: o Novo Plano Decenal de Energia Elétrica colocado para consulta pública pela EPE por trinta dias a partir de 23 de dezembro, prevê que, nos próximos nove anos deveremos comprar mais 13.685 MW ( quase uma Itaipu, que tem 14.000 MW ) desse tipo de fonte.
No Brasil, temos energia hidroelétrica abundante. O “combustível” agora é limpo, quase gratuito e pode ser usado muitas vezes em várias hidroelétricas ao longo de um rio. Se compararmos nossa matriz energética com a dos Estados Unidos, as nossas grandes vantagens competitivas são evidentes.
Não seria nada estranho, portanto, se nossas tantas empresas fossem inferiores às dos consumidores norte americanos. Mas como se verá a seguir, dá-se, inexplicavelmente o contrário…
Gráfico 2 – Matriz Energética dos Setores Elétricos
Fonte: ANEEL/ OCDE
As conseqüências.
2. Os impactos sobre as tarifas e o ambiente. A perda de competitividade da indústria brasileira, a geração de “Débitos de Carbono” e a chuva ácida.
Relatório de 2007 da Agência Internacional de Energia, vinculada à OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, mostra que, o industrial brasileiro paga em média 10,5 cents por kWh, enquanto que seu concorrente, norte-americano paga 5,5 cents por kWh, sem considerar os impostos.
Segundo o mesmo trabalho, entre os primeiros 20 países mais desenvolvidos do mundo, a tarifa média da energia elétrica para a industria no Brasil é a segunda maior, só perdendo para a da Itália.
Gráfico 3 – Tarifas para o setor industrial
Isso ocorre, embora o Brasil tenha 77% de sua matriz de energia elétrica produzida de fonte hidráulica, que usa água gratuita, enquanto nos E,stados Unidos a matriz seja 70 % de fonte fóssil.
O presidente do Grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter, aponta essa situação absurda como um risco concreto de perda de competitividade para a indústria nacional.
Em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara em 2007, ele apresentou dados da Associação Brasileira dos Consumidores de Energia que mostram que de 2001 a 2006 a tarifa cobrada das indústrias subiu de R$ 82 por megawatt-hora (MWh) para R$ 206 por MWh.
Sobre os efeitos ambientais dessa contratação recomendada no Plano Decenal da EPE, um artigo de Daniel Rittner, publicado em 06.01.08 no Valor Econômico mostra que com essa “Itaipu de Poluição”, iremos triplicar a quantidade de gases de efeito estufa produzidos pelo setor elétrico brasileiro. Um retrocesso difícil de explicar, pois as 81 novas usinas térmicas sujarão nosso ar com 40 milhões de toneladas de CO2 ao ano em 2017 . Ou seja, 172% a mais do que em 2008.
“O plano está em contradição com as metas internas de redução do desmatamento”, afirma a senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, referindo-se a um dos objetivos do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, lançado em dezembro”.
Para a ex-ministra, a área ambiental não pode servir de “bode expiatório” para o aumento das térmicas. Marina atribui o crescimento da produção de energia por fontes mais poluentes a falhas no planejamento do setor elétrico.
Segundo ela, metade dos projetos de hidrelétricas listados no plano decenal não tem estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE) e “alguns sequer estão inventariados”. Precisamos acabar com a lenda de que é do setor ambiental a culpa pelo aumento das térmicas”, protesta Marina.
Em seu artigo, que merece ser elogiado e lembrado pela forma quase inédita com que consegue um contraponto mais equilibrado entre as opiniões de uma representante qualificada do setor ambiental e representantes do setor elétrico “oficial”, Daniel Rittner foge ao lugar comum do “jornalismo econômico tradicional”, que busca “demonizar” um lado e “santificar” o outro.
Daniel lembra ainda de algo muito importante e que o presidente Lula precisa ser avisado sobre o biodiesel:
“A mistura de 3% do biocombustível ao diesel convencional evitará o despejo de 62 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo dos próximos dez anos, mas esse esforço será perdido com o funcionamento das termelétricas por apenas um ano e sete meses”.
Ou seja, se continuarmos nessa direção o Brasil em breve, terá que pagar pela poluição que produz e não mais terá direito a créditos de carbono. Ao contrário, estará contraindo para nossas empresas pagarem, verdadeiros “Débitos de Carbono”, por muitos anos à frente.
Para o professor Carlos Aurélio Nadal, da Universidade Federal do Paraná, o processo das emissões não só de gases, como de particulados pode ser agravado em função da elevação da pluma, do transporte e dispersão, bem como pelas reações fotoquímicas inerentes, que combinadas com precipitação, podem ocasionar as denominadas “chuvas ácidas”.
Este fenômeno, já observado na Europa e no Japão tem conseqüências graves na saúde humana e na agricultura, podendo afetar também as construções e patrimônios históricos. Dependendo do regime dos ventos, a chuva ácida pode ocorrer a centenas de quilômetros de distância do ponto de emissão.
Vasta bibliografia médica identificou muitos efeitos decorrentes da poluição do ar sobre a saúde dos seres humanos quanto ao sistema respiratório, ao olfato e a acumulação de poluentes. Sobre os vegetais e animais as principais alterações são a alteração da abertura estomática, que afeta a transpiração e fotossíntese, a destruição da clorofila e alterações no crescimento e no sistema de imunidade da planta.
A versão dos atuais responsáveis.
3. “A culpa é do setor ambiental”. E dos brasileiros que moram em favelas e “roubam energia”
Num artigo chamado “Nem Kafka iria imaginar”, Maurício Tolmasquim, presidente da EPE – Empresa de Planejamento Energético, estatal que promove os leilões de energia, joga a culpa desse resultado nas costas do “setor ambientalista”. No artigo, em que compara o setor ambiental ao personagem Gregor Samsa, aquele que virou uma enorme barata enquanto dormia, Tolmasquim afirma:
“Da mesma forma, o setor ambiental brasileiro não tem a exata noção do que se tornou. Em nome da preservação do meio ambiente, acaba por promover um aumento sem precedentes das emissões de gases de efeito estufa”.
Já Jerson Kelman, ex-diretor geral da ANEEL não se contenta em culpar só o setor ambiental, mas investe também contra o judiciário, o Ministério Público e pasmem: contra os consumidores brasileiros:
“O rigor ambiental dos órgãos licenciadores, do Ministério Público e da Justiça, bem como os interesses específicos contemplados na legislação, têm provocado um paradoxo ambiental: é burocraticamente mais simples produzir energia elétrica no Brasil queimando derivados de petróleo ou carvão, que contribuem para o efeito estufa, do que utilizando água.
Embora lamente a perda de qualidade da matriz brasileira e procure se eximir da responsabilidade pelo avanço das térmicas ao dizer-se “sem atribuições de planejamento” nas declarações que faz no artigo de Daniel Rittner, Kelman deixa clara sua posição sobre a energia eólica dizendo que ela é “cara e inconstante, pois não pode ser armazenada sequer por algumas horas, e não permite ao operador do sistema trabalhar com previsibilidade”.
Na entrevista que deu ao repórter do Valor Econômico, Kelman apontou a eficiência energética como uma das áreas em que se podem colher resultados, pois as perdas totais são de 17% de toda a eletricidade produzida no Brasil.
Mas para ele o mais viável é combater as perdas que correspondem a 6% da geração total de energia: os furtos de eletricidade.
Nesse ponto, o Sr. Kelman foi ainda mais longe em termos de procurar livrar-se das suas responsabilidades e culpar os outros, brindando-nos com essa verdadeira pérola, afirmando:
“Se por um passe de mágica conseguíssemos que os brasileiros parassem de furtar energia, reduziríamos em 2,4% o consumo no país. Isso as ONGs não costumam mencionar porque desconhecem a realidade brasileira.”
Ou seja, segundo o Sr Kelman, a culpa pela Itaipu de Poluição é nossa, brasileiros, “que furtamos energia”…
Versão de outros especialistas.
4. Existe favorecimento às térmicas. E descaso com hidroelétricas, as eólicas e com qualquer coisa que não consuma bastante combustível fóssil. E principalmente, bastante petróleo.
Para Roberto D`Araújo, consultor e ex-chefe do departamento de planejamento energético de Furnas Centrais Elétricas, a origem do problema não está apenas na falta de licenças ambientais.
Para ele, parte da culpa deve ser atribuída à tentativa de simular o funcionamento de um sistema de base térmica, através da fórmula de cálculo do ICB – Índice Custo Benefício -, que é aplicada pela EPE e ANEEL para “julgar” o resultado dos leilões.
Na realidade, não há relação entre o vencedor do certame e seu custo, pois, tentando “simular” um sistema concorrencial numa realidade que na verdade opera de forma totalmente cooperativa, o índice ICB vem gerando resultados que dependem de parâmetros de estimativa bastante incerta, tornando, portanto, sua fixação bastante subjetiva. E, portanto, sujeita a erros intencionais e não-intencionais.
Segundo Roberto, esse mimetismo metodológico vem favorecendo enormemente aos empreendimentos que consomem combustíveis fósseis, em prejuízo dos de fonte renovável, como os eólicos e hidroelétricos.
Uma evidência da distorção, segundo D`Araújo, é que a fórmula do cálculo do valor do ICB, usando uma complexa metodologia, superestima em muito a importância da forma complementar como as térmicas operam em conjunto com as hidráulicas.
E o pior: muito embora as eólicas também apresentem esse efeito benéfico, a elas não é aplicada a mesma metodologia e, portanto, são prejudicadas.
Assim, usando parâmetros bastante discutíveis, tais como custo do déficit e taxa de desconto do futuro, mesmo apresentando preços da energia superiores a R$ 500,00/MWh, (quando estão funcionando), e R$ 70,00/MWh (quando estão paradas), as térmicas conseguiriam, através dessa formula do ICB, aparentar um valor artificialmente baixo, de R$ 128,00/MWh, derrotando as hidroelétricas e eólicas nos leilões.
A verdade é que a ELETROBRÁS, que é a encarregada de comprar e pagar essa energia já possui um trabalho técnico de excelente qualidade sobre a rápida e inexplicável evolução da participação da energia de fonte fóssil na matriz energética brasileira.
O trabalho afirma que, se tal como ocorre com as térmicas, também as centrais eólicas fossem consideradas de forma complementar com as hidroelétricas e não como se operassem isoladas, como ocorre hoje nos leilões, a complementaridade entre as estações dos ventos e das águas no Brasil tornaria o conjunto eólico-hidráulico imbatível em preços e em confiabilidade de fornecimento.
Isso nos livraria do aumento da dependência do fóssil e das perspectivas de aumento da produção de gases de efeito estufa. Por isso, quando se considera na simulação operacional dos sistemas elétricos a complementaridade entre eólicas e hidroelétricas, as acusações às eólicas de que “são caras porque os ventos são inconstantes”, “não se pode armazenar energia eólica” e outras do mesmo tipo parecem ser pueris ou mal-intencionadas.
É exatamente nos meses de menor afluência hídrica que se constatam as maiores velocidades e quantidades de vento em quase todo o país.
Gráfico 4 – Complementaridade ao longo do ano entre Recursos Energéticos Hidroelétricos e
Mas o mais sério é que além da estranha adaptação metodológica na aplicação da formula de cálculo do ICB, apontados por Roberto D’Araújo e que favorecem às térmicas, existem falhas operacionais inexplicáveis no gerenciamento que a ANEEL vem imprimindo ao setor de geração hidroelétrica.
Além dos erros na aplicação da fórmula de cálculo do ICB, apontados por Roberto D’Araújo e que favorecem às térmicas, assunto muito técnico e complexo e quase invisível para o público em geral, existem falhas operacionais inexplicáveis e gritantes no gerenciamento que a ANEEL vem imprimindo ao setor de geração hidroelétrica. E essas são muito fáceis de perceber.
Refiro-me, por exemplo, às declarações do Sr.Kelman à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, segundo as quais a ANEEL teria destinado só doze técnicos para analisar mais de 37.000 MW de projetos e inventários de hidroelétricas entregues à agência. Isso para “economizar” com pessoal.
Ora, esse é um número claramente insignificante frente à enormidade da tarefa! Só o total da potencia instalada das hidroelétricas em operação hoje no Brasil é de 77.000 MW! Como o dirigente de uma agencia pode fazer uma declaração dessas e ninguém ficar alarmado?
Como é possível estarmos programando compra de quase uma Itaipu inteira para processar sujeira fóssil por 30 anos e não tenhamos dinheiro para pagar mais técnicos para analisar projetos de hidroelétricas que, como aponta a ex-Ministra Marina Silva, dormem nas prateleiras da ANEEL?
Por qual razão, analisar projetos e inventários de novas hidroelétricas não terá sido, como mostram os fatos mencionados pela Senadora Marina Silva, uma prioridade para essa que é a agência encarregada da regulamentação e fiscalização do setor elétrico brasileiro?
Essa falta de prioridade deve ter sido uma das causas pelas quais, segundo o próprio “site” da agencia, a potencia total de hidroelétricas aprovadas por ano, entre 2003 e 2006 tenha caído para 1395 MW enquanto entre 1998 e 2002 foi de 2936 MW.
Uma queda brutal, de 53%, que deveria ter sido notada há muito tempo e não só agora, como mostra o Gráfico 5.
Gráfico 5 – Evolução da aprovação de projetos de UHEs e PCHs pela ANEEL – 1998 a 2007
O Gráfico 6 mostra que sem dúvida existe algo muito errado quanto à estrutura existente e a necessária, quando se compara o número de funcionários e de escritórios regionais da ANEEL e de agências como a ANAC, a ANATEL, a ANVISA e a ANTT.
Como é possível que, após cinco anos de mandato, um diretor-geral de agência reguladora, tenha deixado de prover o pessoal suficiente para aproveitar uma riqueza que é uma grande vantagem competitiva do país e tente agora, se eximir da culpa, dizendo que “não tem atribuições de planejamento”? E ainda saia culpando o setor ambiental e o Ministério Público por algo que seria sua atribuição?
Gráfico 6 – Estrutura das Agências Reguladoras (funcionários e escritórios regionais)
Agências
Fonte: ANEEL
Esses números não deixam dúvidas, que não foram apenas as “questões ambientais” que fizeram com que as autorizações da ANEEL se tornassem escassas.
Para isso deve ter contribuído muito essa falta de técnicos, já que eles não apenas analisam passivamente os projetos de hidroelétricas, mas também gerenciam a solução das questões ambientais e da adaptação dos projetos a legislação e regulamentação ambiental.
Sem que a ANEEL tenha técnicos em número suficiente é impossível solucionar e buscar contornar os problemas e incompatibilidades que ocorrem sempre nesse tipo de projetos.
Problemas, aliás, que nunca não são incontornáveis ou definitivos, quando se tem interesse e condições de encontrar outras soluções de engenharia e de mitigação dos impactos.
Não há dúvidas também que foi essa escassez de projetos aprovados, provocada pela falta de técnicos, que fez os “preços das licenças e autorizações” subirem de forma quase imoral, no “mercado paralelo”, chegando o ágio a superar 1000% em usinas de maior porte.
Em meu artigo “Aspectos legais e institucionais da audiência publica 038 de 2008 da ANEEL”, apresentado no IV Seminário “PCH, Mercado e Meio Ambiente” em setembro, provo também que boa parte da culpa pela falta de hidrelétricas em operação deve ser atribuída à fraquíssima ação fiscalizadora da ANEEL sobre os empreendedores que recebem autorizações para construir uma usina mas preferiram não construir, vendendo esses papéis após anos de especulação.
A prova dessa indiferença é que no site da agência dados sobre fiscalização da geração mostram que o numero de autos de infração por não cumprimento de prazos de entrada em operação, que entre 1999 e 2002 foi em média de 4,5 por ano, caiu para menos 2,5 entre 2003 e 2006, chegando à zero em 2006 e a apenas um em 2005.
Levando em conta que a ANEEL já aprovou mais de 430 projetos de usinas abaixo de 30 MW mas apenas 137 estão em construção, esses são números irrisórios para a atividade fiscalizadora de uma agência que consumiu 350 milhões de reais em 2007 em seu orçamento.
Esses números explicam e são coerentes, infelizmente, com as declarações do próprio Sr. Kelman, perante a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, segundo as quais, durante os onze anos de existência da agência, a ANEEL teria cassado apenas cinco autorizações de geração de hidroelétricas por não cumprimento de prazos de construção. Como se isso fosse vantagem, uma prova da paciência e tolerância da agência…
Chega a ser vergonhoso para mim como brasileiro admitir que em meu país as autorizações públicas de geração de energia hidroelétricas tenham seu valor artificialmente inflado e transformadas em simples “derivativo”, em “títulos ao portador”, enquanto a agência encarregada não só a tudo assistiu quase indiferente, mas contribuiu com a situação de “escassez artificial de autorizações” ao não designar técnicos em quantidade suficiente para analisar os projetos já elaborados pela iniciativa privada e por estatais do setor elétrico e a ela entregues há vários anos atrás!
Como é possível que um agente público em cujo mandato tenha se reduzido a ação fiscalizadora sobre aqueles que receberam uma autorização para construir hidroelétricas mas não o fizeram preferindo especular com esses “títulos” se cubra agora de “lamentações” pela perda de qualidade da matriz energética brasileira e pelos efeitos das térmicas a petróleo sobre o absurdo aumento das tarifas?
Como é possível ainda que, não satisfeito com os efeitos maléficos que o aumento das tarifas certamente trás para a competitividade de nossos produtos, para o nível de emprego e para a qualidade de vida da população, ele ainda tenha a coragem de culpar pelo avanço das termoelétricas, exatamente aos consumidores brasileiros “que roubam energia”?
Como é possível que aqueles que aprovaram a nomeação desse agente público não tenham ainda questionado que em um agente com tamanho grau de poder e responsabilidade, não cabe essa postura de “vítima inocente das circunstâncias”, descomprometida com os interesses do país e principalmente das parcelas mais carentes de sua população?
Encerrado o mandato do Sr. Kelman, virada essa página, a ANEEL precisa ser repensada e se repensar para tentar explicar ao país três coisas importantes.
A primeira é: porque, nos leilões, as eólicas não são consideradas de forma complementar às hidroelétricas e ao sistema interligado nacional, como é feito com as térmicas?
A segunda é: porque a agência destinou só doze técnicos para analisar 37.000 MW de novos projetos e inventários de hidroelétricas?
A terceira é: porque diminuíram os atos administrativos de fiscalização sobre aqueles agentes que conseguiram autorizações de geração, mas que conseguiram passar anos “leiloando-as” no mercado e não construíram as hidroelétricas?
A quarta é: porque no Brasil, são as distribuidoras de energia que controlam os programas de melhoria de eficiência energética se são elas as partes que menos interesse tem em diminuir o consumo, já que isso diminui seu faturamento?
Não consigo acreditar que o Sr. Kelman esteja certo, quando diz que a energia eólica “é cara” e que governos e empresários do mundo inteiro estejam errados.
E que esses governos e empresários estejam mal informados a ponto de, apenas no ano de 2007, novos 20.000 MW eólicos (mais do que uma Itaipu) tenham sido adicionados aos sistemas de países como Estados Unidos, com 5.000 MW, Espanha com 3.500 MW e China com 3.300 MW.
Enquanto isso, no Brasil, temos apenas 250 MW de fonte eólica operando.
Em parte, devido aquela “fórmula mágica do ICB pró-ativo a favor das térmicas”.
E em parte porque, até março de 2009 para os empreendimentos já contratados pelo PROINFA ( que totalizam mais de 1500 MW), continuava-se exigindo um absurdo índice de nacionalização de 65% para os equipamentos, sem que existam em operação fábricas brasileiras em condições de oferecer preços, prazos em situação concorrencial minimamente justa.
Ou seja, não tem produção nacional porque não tem mercado. E não tem mercado porque não tem produção nacional…
E com isso, os nossos ventos, que são públicos, gratuitos, fortes e constantes, continuarão soprando sem gerar nada.
Não acredito também que Barack Obama estava só brincando ou “jogando para a torcida” quando prometeu investir pesadamente em energia eólica em seu governo. Nem que o crescimento da capacidade instalada de centrais eólicas cresce mais do que 25% ao ano há mais de onze anos seguidos! O mundo todo não pode estar errado e certo estar o Sr. Kelman…
Gráfico 8 – Taxas de crescimento médio anual da energia eólica no mundo.
Fonte: WWEA
Gráfico 9 – Total da capacidade instalada de energia eólica no mundo (MW) 1997-2007
Fonte: WWEA
Enquanto essas e outras questões relativas ao assunto “avanço das termoelétricas no Brasil” não forem explicadas pela ANEEL e pela EPE, a minha opinião e se muitos colegas que conheço há muitos anos continuará sendo a de que as hidroelétricas e eólicas não avançam porque, ao contrário dos combustíveis fósseis, os “espertalhões de sempre” ainda não conseguiram que o vento e as águas deixassem de ser públicos. Já os combustíveis fósseis, estes podem ser vendidos e revendidos…
A propósito disso, no caso das hidroelétricas, infelizmente, é preciso lembrar que em pleno Governo Lula, o processo de privatização do controle público das águas deu mais um vigoroso passo à frente, com a nova resolução 343/2008, baixada pelo ANEEL no último dia 22 de dezembro de 2008, apenas alguns dias antes do termino do mandato do ex-diretor-geral, Sr. Kelman.
Embora traga pequenos avanços em alguns itens, essa resolução cria a possibilidade da diretoria da ANEEL conferir inteiramente, ao seu arbítrio e talante, a um único interessado, a prioridade do aproveitamento hidráulico de todo um conjunto de usinas em um rio inteiro, sem precisar apresentar, para ser “selecionado”, nenhum projeto básico, nenhum licenciamento ambiental.
Para receber gratuitamente essa enorme quantidade de potencial hidráulico, por vinte e cinco anos, basta que o interessado seja o autor de um simples inventário hidroelétrico que for escolhido como “o melhor”. Pela ANEEL.
É lamentável que com essa tal prioridade, justificada como “uma forma de recompensar o autor do inventário” a ANEEL esteja retrocedendo ao tempo da monarquia, criando a figura do “dono-do-rio”, um tipo de “conde”, “duque”ou “barão” que, se quiser, poderá elaborar os projetos, construir as usinas ou, se preferir, ganhar dinheiro vendendo as autorizações. Ou melhor,vendendo as próprias sociedades detentoras desses “títulos”.Ou ainda, se preferir , vender apenas o direito de “não-exercício dessa prioridade”, sem licitação, através de um contrato de gaveta.
É lamentável que conferindo essa tal “prioridade” ao autor do inventário a ANEEL esteja criando mais um “título ao portador”, que desvia dinheiro das obras e o dirige para a compra e venda de papéis, como afirmo no artigo que escrevi junto com Lia M. Finn, “O risco de produzir apenas mais um derivativo.E não mais energia”.
A propósito dessa resolução, é importante assinalar, para registro, que o próprio Ministério de Minas e Energia afirmou sobre ela , através da Nota Técnica 51/08, firmada por Vicente Gomes Parente e Ricardo Suassuna de Medeiros:
“As medidas propostas apresentam sinais de incentivo à concentração econômica no segmento de pequenos aproveitamentos hidroelétricos,uma vez que a preferência é dada, de forma incondicional ao interessado que desenvolver o estudo de inventário tomado como referência”.
Vale notar que estranhamente, o documento oficial acima foi solenemente ignorado pela ANEEL, em todo o processo de Audiência Pública que decidiu sobre a prioridade para autorizações de geração. Mais uma prova que a “falta de atribuições de planejamento”, não é desculpa para aqueles que tem o poder de até mesmo contrariar a legislação existente como nesse caso. E de como o Ministério de Minas e Energia foi colocado em uma posição muito distante das grandes decisões do setor elétrico, papel cada vez mais ocupado pela ANEEL.
Aos que quiserem conhecer mais detalhes e documentos sobre a criação pela ANEEL desses novos títulos de nobreza brasileiros como o de “Duque do Itararé”, “Barão do Itajaí”, “Marquês do Rio Pardo”, etc, que deverão contribuir para concentrar e atrasar a construção de hidroelétricas, convido a visitar o blog www.tribunadosetoreletrico.blogspot.com.
Vale lembrar, a respeito de tudo acima, o que disse o professor Ildo Sauer,da Universidade de São Paulo, ex-diretor da Petrobrás, em sua carta de despedida, após ser demitido por discordar da forma como as centrais termoelétricas vinham sendo impostas ao Brasil.
“O acordo de importação do gás da Bolívia foi decidido pelo governo Collor e implementado por Fernando Henrique Cardoso de forma a que a Petrobrás fosse o sócio menor numa partilha dos recursos naturais da Bolívia a ser feita pelas grandes petroleiras, empresas de gás e fabricantes de equipamentos para geração termoelétrica, que controlam esses negócios desde o início do século 20.
O plano de Collor e Fernando Henrique incluía o desmantelamento de um dos maiores patrimônios do País e do povo brasileiro: o seu sistema de geração hidrelétrica nacionalmente interligado, o que foi feito em parte”.
Resumo.
5. Um jogo de afirmações públicas que movimenta bilhões de reais e de toneladas de CO2.
Resumindo o que afirmam as vozes da verdade oficial e as dos “dissidentes”: enquanto dirigentes da EPE e da ANEEL estiveram de público, fazendo lamentações quase diárias sobre a pouca energia comprada das hidroelétricas e culpando o setor ambiental, os órgãos que dirigem adotaram procedimentos que dificultam a aquisição de energia de fontes renováveis e favorecem a expansão da energia gerada por termoelétricas de fontes fósseis.
O mais grave é que esse favorecimento poderia ter sido, em algum momento “vendido” junto ao governo federal como se fosse “a única forma de fugir de um novo apagão”.
Afinal, é preciso lembrar que, graças a declarações feitas à imprensa por alguns desses personagens,essa previsão catastrófica ocupou o imaginário popular. Vale lembrar a respeito esse trecho de matéria de Humberto Medina da Folha de São Paulo, em 9 de janeiro de 2008:
“O diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, defendeu ontem a deflagração de uma campanha para a redução no consumo de energia elétrica e a elaboração de um plano de contingência para um eventual racionamento. “Assim deve ser com coisas desagradáveis, como o racionamento. Deveria se discutir muito antes, não sob pressão”, disse. Já no racionamento, as medidas de restrição são impostas, com punição a quem as descumprir.Kelman considera muito pouco provável, mas não impossível, a imposição de um racionamento neste ano. “Não é impossível ter [racionamento]. O mais provável é que não tenha.”
Por tudo isso, muitos brasileiros como eu, que ainda guardamos muita desconfiança do poder e da influência do lobby dos combustíveis fósseis, temos muita esperança na gestão de Nelson Hubner, que deverá ser o novo diretor geral da ANEEL daqui a poucos dias.
Temos também muita esperança que, em sua gestão, questões importantes e intocáveis na ANEEL até agora, serão finalmente analisadas, à luz do interesse público. Vale recordar o que disse, sobre o apagão “anunciado para 2008”, Nelson Hubner:
Na última quarta-feira, o Ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner, descartou que haja risco de um apagão de energia elétrica ou mesmo um racionamento neste e no próximo ano. Na véspera, o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, disse que não seria “impossível” um racionamento de energia até o fim do ano.
“Está descartado apagão elétrico em 2008 e 2009. Ele (Kelman) colocou uma posição individual do diretor-presidente que não reflete a posição da agência”, afirmou.
O nosso dever de casa.
6. As obrigações do Governo, do Congresso, do Judiciário e da sociedade.
Energia mais cara, mais poluente, importada e que causa elevação tarifária ao consumidor e perda de competitividade aos produtos brasileiros. Esse é o diagnóstico conhecido do uso de combustíveis fósseis para produção de eletricidade.
Falta agora que as autoridades do setor energético venham a público e dêem uma explicação clara, congruente e compreensível à Nação para esses fatos que comprometem a própria competitividade das empresas brasileiras nos mercados interno e externo.
Mas os responsáveis precisam explicar-se com fatos concretos, trabalhos consistentes e números incontestáveis, desmentindo ou confirmando as informações acima.
A mera repetição de acusações genéricas, copiadas quase na íntegra de editoriais de revistas semanais, que acusam sem provas o setor ambiental, não pode mais ser tolerada, pois está em jogo o futuro independente e sustentável do Brasil.E esse assunto é sério demais para deixarmos sua solução ser ditada por idéias provenientes da cabeça de “editorialistas do fimdo-mundo”, movidos pelo critério do “quanto pior, melhor”.
Falta também ao Congresso Nacional, através das Comissões de Minas e Energia, Meio Ambiente, Agricultura da Câmara e de Infraestrutura do Senado, ouvirem não só as explicações das autoridades, mas principalmente das vozes dissonantes, que como eu próprio, tragam números e argumentos concretos.
Não basta pôr o dedo.
7. A ferida precisa ser purgada. O Plano Decenal de Energia tem que ser conhecido e discutido pela sociedade. Isso não é assunto para se discutir em trinta dias. Ninguém quer essa “Itaipu de Poluição” que a EPE está planejando para nós.
O Plano Decenal de Energia publicado no site da EPE, em 23 de dezembro para consulta publica por 30 dias, já traz como verdade absoluta e inquestionável que a matriz energética brasileira que hoje se baseia em 86% de fonte hídrica cairá para apenas 76% em 2017.
Isso precisa ser questionado.
É preciso dar um basta a essas verdades absolutas e aos personagens acima de quaisquer questionamentos, cujas afirmações vem sendo consideradas como vaticínios inexoráveis, que não podem ser contestadas sob pena de condenação ao “fogo eterno”!
Os números que comprovam toda essa situação estão disponíveis na internet.
E escolhas dessa natureza não podem ser apresentadas e resolvidas em apenas 30 dias. Isso é uma brincadeira que tornaria a consulta pública uma mera formalidade burocrática, desvirtuando a sua finalidade e falseando todo o processo.
O Plano afirma que será necessário acrescentar 81 termelétricas ao sistema interligado – 41 movidas a óleo combustível, 20 a diesel, 8 a gás natural, 7 a bio-combustíveis e 4 a carvão que deverão gerar 13.685 MW, enquanto que Itaipu tem 14.000 MW.
Ou seja, a EPE nos propõe, em sua proposta de plano decenal, que construamos mais do que uma Itaipu inteira de térmicas a derivados de petróleo e carvão, poluindo os ares, queimando dinheiro e sujeitando o país a depender mais ainda de combustível que, além de importado, tem seu fornecimento sempre sujeito a todo tipo de conflito, bloqueio, boicote, invasões e guerras intermináveis.
E o que é muito importante: com essa opção a EPE estará aumentando cada vez mais nossas tarifas, diminuindo a competitividade dos nossos produtos, aqui dentro e no exterior.
Precisamos verificar se teria a EPE considerado, nos seus cálculos, os 37.000 MW de hidroelétricas cujos projetos e inventários repousam nas gavetas da ANEEL, enquanto a agência tem apenas doze técnicos analisando todo esse potencial.
Ou será que a EPE imaginava que iríamos continuar calados frente a essa política de “contenção de despesas com pessoal” exatamente na área de analise de projetos de hidroelétricas, enquanto o consumo de derivados de petróleo dispara?
E as eólicas?
Será que a EPE considerou que essa absurda exigência de 65% de nacionalização continuará em vigor, atrapalhando o desenvolvimento de um setor que cresce a 25% ao ano, quando ainda não temos indústrias em quantidade e capacidade suficiente?¹
Será que a EPE acha que a sociedade brasileira não irá perceber que esse tipo de “nacionalismo tacanha” é um autêntico tiro no nosso próprio pé?
E a complementaridade entre eólicas e hidroelétricas? Vai continuar sendo esquecida e só considerada para as térmicas?
E a “formulinha mágica do ICB pró-térmicas” ?
Terá a EPE previsto que vai continuar mantendo a sociedade longe do exame dos parâmetros dessas fórmulas por muito tempo?
Não é possível mais continuarmos a fingir que não está acontecendo nada.
O Plano Decenal foi para consulta pública em 23 de dezembro de 2008, por trinta dias.
Temos o dever e o direito constitucional de participar desse processo de consulta pública, questionando formalmente esse documento. Primeiro pela via administrativa. Se não for possível obter sucesso, pela via judicial.
Vamos chamar os estudantes, as universidades, os professores, os pesquisadores e todas aquelas ONGs de defesa do consumidor, do meio ambiente, do setor elétrico.
Vamos chamar a COPPE, a USP, os sindicatos de engenheiros, o CONFEA, os CREAs, o Luiz Pinguelli Rosa, o Roberto Schaeffer, Carlos Kirchner, o Agenor de Oliveira, o Delman, o Sebastião Soares, o Joaquim de Carvalho, o Ildo Sauer e tantos outros cientistas, consultores e especialistas que não tinham nada disso em mente quando insurgiram-se contra o modelo do “apagão”, implantado no governo passado!
Vamos chamar todos os deputados e senadores, principalmente os que se destacaram na luta contra a privatização do setor elétrico brasileiro como o Luciano Zica, o Fernando Ferro , o Jorge Bittar e tantos outros, ligados aos setores de energia e de meio ambiente.
¹ Em maio de 2009 uma decisão acertada do MME eliminou essa exigência.
Ou será que basta que o plano seja “do governo Lula” para ser automaticamente, bom e adequado aos interesses do povo brasileiro?Ou será que é mais fácil nos acomodarmos atrás de posições como “não adianta questionar”, a “história acabou” e que “tá tudo dominado”?
Vamos chamar o Célio Berman, a senadora Marina Silva, o Rafael Fillipin e tantos outros ambientalistas e entidades ambientais que ao mesmo tempo em que tem restrições, não negam a importância das hidroelétricas para a manutenção de uma matriz energética limpa, barata, mas renovável. Chamaremos as entidades da agricultura empresarial e familiar, da indústria e do comércio, os atingidos por barragens, os agricultores que não tem ainda energia elétrica, os movimentos que organizam a população que mora em favelas, normalmente acusados de “roubo de energia”.
Todas as informações e declarações das autoridades a respeito desse Plano Decenal, precisam ser checadas, verificadas e seu acompanhamento e interpretação devem ser feitos com suporte técnico adequado, para que a sociedade e o Congresso não fiquem em desvantagem com relação a informações e discussões técnicas travadas com os órgãos do executivo, face à complexidade técnica do assunto.
O plano, disponível na página da EPE na internet (www.epe.gov.br) deve ser discutido pelos professores aos estudantes nas universidades, para que possam ter opinião a respeito.Através das universidades, a discussão desse Plano deve chegar ao resto da sociedade.
Deve também ser discutido pelos conselhos, sindicatos e associações de engenheiros, de biólogos e de todos os profissionais ligados à energia e ambiente,
E isso pode ser feito em qualquer época, mesmo sem contar prazo de trinta dias…
As entidades estudantis não podem continuar pensando que, apenas porque “o petróleo é nosso” podemos gastá-lo à vontade.
Há uma nova luta pela frente, rapazes e meninas!
Querem que gastemos não apenas o “petróleo nosso”, mas o “dinheiro nosso” comprando o petróleo “deles”!
Tudo isso poluindo o “ambiente nosso” e fazendo os “produtos nossos” de exportação e para o mercado interno tornarem-se menos competitivos, acabando com os “nossos empregos”!
E nós, como ficamos?
Vamos assistir a tudo isso calados, conformados e indiferentes como se a sociedade tivesse quem explicasse a ela tudo isso? Ou é nosso dever tentar explicar de forma didática tudo isso?
Se abusos existirem na legislação ambiental, esses devem ser comprovados tecnicamente e corrigidos pelo Congresso e não pela ANEEL ou por qualquer órgão subalterno.
E se ficar confirmado que a ANEEL realmente “legislou” para tentar contornar problemas ambientais, suas decisões como essa infausta resolução 343 de 2008, devem ser anuladas e identificadas a responsabilidades pela usurpação das funções do Poder Legislativo.
Da mesma forma, caso se verifique existirem de fato indícios de que tenha sido irregular e artificialmente manipulada a compra de energia de fonte térmica, como vem apurando o Tribunal de Contas da União,devem esses contratos ser revistos à luz da legalidade.
À sociedade principalmente, caberá estudar ,aprofundar-se e encontrar formas de debater e refletir sobre esses assuntos , que não são restritos ao interesse do governo ou dos políticos mas atingem a todo, haja vista a verdadeira catástrofe que foi o ultimo “apagão”, quando o crescimento do PIB despencou de 4,3% em 2000 para 1,7% em 2001”, produzindo mais de 3 milhões de desempregados.
Nesse ponto podem contribuir em muito não só as universidades, mas as entidades da sociedade civil, principalmente aquelas ligadas ao ambiente, à engenharia e à economia.
O lugar das térmicas
8. Biomassa e emergenciais.
É claro que existe um lugar adequado para as termoelétricas na matriz energética brasileira.
Mas uma solução emergencial mantida por derivados de origem fóssil, não pode ser convertida em base de um sistema num país como o Brasil, que tem o maior potencial hidráulico do mundo, um altíssimo índice de incidência solar e ventos de excelente velocidade e constância de direção.
A geração termoelétrica deve depender principalmente de biomassa, que além de produzir oxigênio durante a etapa de crescimento dos vegetais, gera recursos à agricultura, transforma a energia solar e cria empregos para a parcela da população de menor preparo profissional.
A propósito, estudo da WADE, “Associação Mundial para Energia Descentralizada”, baseados em levantamentos efetuados pela USAID asseguram que o Brasil possuía, em 2002, cerca de 7.500 MW disponíveis em resíduos da cana de açúcar, 900 MW de resíduos de madeira e
18.600 MW de resíduos de outros produtos agrícolas.
Ou seja, com dados de 2002, teríamos mais de duas “Itaipus de resíduos agrícolas” para serem aproveitados, em lugar da “Itaipu de poluição” que a EPE, infelizmente,pretende que coloquemos em nossos planos…
Dizer que “falta tecnologia” e que “isso é muito difícil” não vale.
Segundo o professor Jean Cesare Negri, da Secretaria de Energia do Estado de São Paulo, existem hoje, só nesse estado, mais de 2.300 MW, dos quais 900 MW são excedentes, gerados por 168 unidades de co-geração de energia elétrica e calor, instaladas pela indústria da canade-açúcar. Tudo isso operando dentro de condições bastante razoáveis.
Até 2013,um potencial adicional de 4.000 MW poderia ser gerado se forem utilizadas caldeiras para pressões superiores, com melhoria da tecnologia.
No total teríamos mais meia Itaipu gerada a partir de bagaço de cana, apenas em São Paulo. Certamente, essa melhoria de tecnologia poderia ser conseguida a custos bem menores do que construir a Itaipu de poluição.
Em outros estados, onde a cana de açúcar não é preponderante, estudos de viabilidade já avaliam seriamente essa alternativa a partir de resíduos distribuídos espacialmente de formas peculiares, como madeireiras, suinocultura, avicultura, cooperativas e agroindústrias.
Segundo Fernando Reichert, que coordena uma parceria entre a Universidade de Cagliari (Itália) e a ENERCONS para o desenvolvimento de negócios de geração distribuída, o principal obstáculo é a resistência que as distribuidoras no Brasil oferecem à conexão de centrais geradoras de pequeno e médio porte aos seus sistemas.
“Na Europa, as centrais de co-geração de pequeno e médio porte, funcionando a gás natural, já correspondem a parcelas significativas das matrizes energéticas de cada país. Na Holanda elas já superam a 52%, na Itália 18% e nos 15 primeiros países (EU 15), segundo a Agência Internacional de Energia, a co-geração distribuída já atingiu a 11% do total.
Isso ocorre principalmente devido ao fato que o ambiente regulatório não só permite, mas obriga as distribuidoras a não criarem dificuldades artificiais em suas normas técnicas que impeçam injustificadamente, o acesso à rede de distribuição.
No Brasil, convenientemente, ainda não foram nem criados os regulamentos e normas técnicas para conexão de geração distribuída. E as exigências e normas que são aplicados, ainda copiam as elaboradas em 1982, pelo antigo GCOI, quando não existiam nem relés eletrônicos para proteger os sistemas.
É incrível como pode existir tanta tolerância do governo e da sociedade para com tamanha prova de proteção ilegítima de mercado e de imposição de obstáculo à livre concorrência, por parte das distribuidoras ”
Reichert, que trabalha atualmente com a formatação técnica e comercial de parcerias de negócio com madeireiras, suinocultores, avicultores, produtores rurais e cooperativas, que possuam certa concentração de recursos de biomassa, vai mais longe e mostrando resultados dos pedidos de autorização de implantação de centrais geradoras nos Estados Unidos, afirma:
“Segundo o Rocky Mountain Institute, o tamanho médio das centrais termoelétricas instaladas na década de 70 atingiu o seu auge, com potencias superiores a 1000MW. Desde então a capacidade média das novas centrais diminuiu muito e hoje é pouco superior a 200MW, possibilitando o uso de recursos regionais como a biomassa.
Esse comportamento do mercado confirma a médio prazo, o evento da inviabilidade econômica das grandes centrais.A geração distribuída nega o paradigma de que “aquilo que é grande é necessariamente melhor e mais econômico”.
A produção de madeira em florestas energética é outra alternativa viável, que pelo jeito, deve ter escapado aos que planejaram a Itaipu de poluição.
Florestas energéticas são áreas constantemente replantadas com determinada espécie vegetal, ou com variação de espécies, visando abastecer com combustível renovável uma central térmica com turbina a vapor produzindo energia elétrica.
As áreas de manejo florestal não precisam necessariamente ser contínuas em larga escala, sendo importante estar próximas a central térmica, reduzindo os custos de transporte. Esta modalidade de geração também permite a recuperação de áreas degradadas pela erosão, pelo desmatamento ou pela desertificação.
Segundo o professor Marcos Carvalho Campos, da Universidade Federal do Paraná, que coordena o projeto “Residuogás”, desenvolvido pela ENERCONS e o CENPES-PETROBRÁS, a possibilidade de se obter altos fatores de capacidade neste tipo de geração de energia elétrica de fontes renováveis, em comparação com outras fontes, como a eólica e a hídrica, faz com que o uso biomassa de reflorestamentos consiga atingir custos de geração entre R$ 145,00 a R$170,00 / MWh, considerando preço de madeira reflorestada da ordem de R$ 80,00 /ton.
Além das vantagens ambientais, a geração de eletricidade através de florestas de energia permite o desenvolvimento do interior do país, agregando valor as propriedades e cooperativas rurais, diminuindo o êxodo para a cidade da população do interior com criação de empregos no campo.
Quanto à pretensa competição de espaço entre a produção de alimentos e de biomassa para gerar energia, preferimos citar a curta e sábia resposta do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, torneiro mecânico e atual Presidente da República:
“Há uma disputa comercial no mundo. Obviamente as petroleiras estão por trás disso.”
O paradoxo, a letargia e o inexorável.
9. Brasil, terra que tem palmeiras e onde canta o sabiá. Onde os ambientalistas ficam mudos frente às termoelétricas, as autoridades do setor elétrico parecem não gostar de fontes renováveis e os estudantes não estão nem aí, talvez porque o petróleo “já seja nosso”.
Precisamos acordar da letargia desses últimos anos de relativa “tranquilidade” e parar de olhar para o avanço das fontes térmicas como se fosse algo inevitável, um preço a pagar, contentando-nos de que “pelo menos, não tivemos um apagão”.
Precisamos parar de culpar o setor ambiental por esse retrocesso, enquanto as fontes hidroelétricas e eólicas estão sendo, no mínimo, boicotadas de forma intencional ou acidental.
É fácil culpar o setor ambiental.
Todo mundo culpa o setor ambiental.
Parece até que o setor ambiental virou um tipo de “Geni”, que foi feita para apanhar, que foi feita para bater, lembrando aquela música do Chico.
Mas o mais triste é perceber que já não são muitos os ambientalistas que defendem suas posições, quando o seu “acusador” é alguém do setor elétrico.
E chega a ser intrigante como haja tanto silêncio do setor ambiental, das universidades, dos estudantes, quanto ao crescimento espantoso da geração de energia de fonte fóssil no Brasil.
Talvez porque, desde o fiasco de 2001, algumas autoridades do setor de energia acostumaram-se a “falar grosso”, ameaçando todo mundo com a praga de novos “apagões”, quando querem fazer ouvir suas opiniões.
Pode ser que estas profecias auto-realizáveis estejam conseguindo intimidar e silenciar muitos ambientalistas, estudantes, professores e órgãos ambientais.
Mas o silêncio talvez também possa ser explicado por que, para alguns ambientalistas, talvez pareça conveniente aparentar que tem tanto poder e influência assim, a ponto de “impedirem a construção de novas obras de geração hidroelétrica”, como lhes tentam atribuir ( ou seria melhor dizer, creditar ) seus “acusadores” do setor elétrico.
Isso talvez seja conveniente principalmente àqueles ambientalistas que, entre os financiadores externos de suas “ongs”, contem, paradoxalmente, com recursos oriundos de gigantes da indústria internacional do petróleo.
Afinal, embora essas empresas gigantes do petróleo tenham, por certo, todo o direito de investir em assuntos ligados a aspectos ambientais no Brasil, ninguém pode negar que, ao mesmo tempo em que “contribuem com o meio ambiente”, elas possam querer expandir seus negócios e estejam interessadíssimas em que no Brasil consumamos cada vez mais combustíveis fósseis. E mantenhamos intocadas, embargadas e carimbadas como “caras” e “poluidoras” exatamente nossas maiores riquezas naturais-energético-ambientais, que são os nossos enormes potenciais hidráulico, eólico, solar e de biomassa…
E mantenhamos conformada, inerte e submissa a enorme massa de pessoas que não entende muito de energia, mas que escutam dia e noite alguém dizer que “isso não tem saída se quisermos proteger o ambiente” e que termina acreditando.
Simplesmente porque não se permitiu ou promoveu na sociedade o livre fluxo de outras opiniões disponíveis sobre o mesmo tema.
Nossas primeiras ações
10. Que fazer?
Frente à pressão da máquina de estado e ao peso da opinião dos “grandes atores” nos veículos de informação, alguns colegas nos perguntam: “mas somos tão poucos e tão pequenos frente ao sistema”, que poderemos fazer?Algumas idéias já surgiram nesses dias.
- Emergencialmente, enviaremos petição à EPE solicitando a prorrogação do prazo da consulta pública.
- Em caso de resposta negativa ou não recebamos resposta da EPE, entraremos com Mandado de Segurança junto à Justiça Federal.
- Solicitaremos marcação de Audiência com o Presidente da República para entregar documento alertando desses fatos e pedindo providências.
- Solicitaremos à Comissão de Minas e Energia da Câmara e à Comissão de Infraestrutura do Senado a realização de uma Audiência Pública em cada uma das casas do Congresso sobre o Plano Decenal.
- Realizaremos reunião em São Paulo ou Rio para estabelecer uma forma institucional adequada a um movimento nacional contra a perda de qualidade da matriz energética brasileira.
- Criaremos um suporte de internet que permita não só a discussão e difusão do tema na sociedade, mas a organização de núcleos locais e estaduais do movimento.
- Enviaremos texto de esclarecimento e convite a todos os sindicatos patronais e de trabalhadores, suas federações e confederações, às universidades e organizações sociais, para que se engajem na discussão do tema.
- Enviaremos ao Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas uma correspondência solicitando a designação de uma equipe técnica para avaliar quanto a sua sustentabilidade, o Programa Decenal de Energia Elétrica do Brasil.
- Enviaremos a todos os sindicatos e associações de professores universitários, do ensino médio e fundamental, a todos os centros acadêmicos, pedindo que eles discutam o Plano Decenal em sala de aula como parte das disciplinas relacionadas ao meio ambiente, à engenharia, à economia, à geografia, ciências, etc.
Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni
Engenheiro eletricista, ex-diretor da Companhia Paranaense de Energia – COPEL, atual diretor da ENERCONS Consultoria em Energia Ltda. www.enercons.com.br – [email protected]